… existiu uma
a quem dediquei poemas
e plenamente embriagado
partilhei a ilha desconhecida
mas, lembro,
vez por outra, doutras
de quem, farsante
sujo de promessas,
fugi
hoje, longe do vício
resgato
velhas amizades
… existiu uma
a quem dediquei poemas
e plenamente embriagado
partilhei a ilha desconhecida
mas, lembro,
vez por outra, doutras
de quem, farsante
sujo de promessas,
fugi
hoje, longe do vício
resgato
velhas amizades
Assim que morreu, Juan encontrou-se num belíssimo lugar, rodeado pelo conforto e beleza que sonhara. Um sujeito vestido de branco aproximou-se:
– Você tem direito ao que quiser, qualquer alimento, prazer, diversão…
Encantado, Juan fez tudo que havia sonhado fazer durante a vida. Depois de muitos anos de prazeres, procurou o sujeito de branco:
– Já experimentei o que tinha vontade. Preciso agora de um trabalho, para me sentir útil.
– Sinto muito, disse o sujeito de branco, mas esta é a única coisa que não posso conseguir. Aqui não há trabalho.
– Que terrível, disse Juan, passar a eternidade morrendo de tédio. Preferia mil vezes estar no inferno.
O homem de branco aproximou-se e disse em voz baixa:
– E onde o senhor pensa que está?
Sentado diante da minha casa, jamais imaginaria que um transatlântico, vindo do oeste, invadiria minha rua e passaria a me perseguir.
Na fuga, consigo encontrar algumas pessoas das quais procuro saber o que está acontecendo, o que aquele navio está fazendo em terra firme e se já viram algo parecido…
Ninguém dá bola às minhas preocupações e permanecem enclausuradas em suas próprias certezas/incertezas enquanto tagarelam de si pra si.
Chego perto de algumas delas e noto seus olhos baços, sem brilho… a vida parece tão distante daqueles olhos! Recuo com horror. Entrei num universo paralelo?
A sorte é que a embarcação desiste de mim. Vejo-a rasgar a terra em direção ao norte. O que me leva ao sul, acompanhado pela visão tormentosa daqueles olhos ausentes. Logo deparo-me com outras, com os olhos cada vez mais embaçados, fixos, sem movimento.
Fico intrigado e decido procurar ajuda. Mas de quem? Todos trazem nos olhos aquela atmosfera obscura, sombria… Grito assombrado: “Porque deixais que o abismo tome conta dos vossos olhos”?
Alguém me toca no ombro e estende-me um espelho: - “Já olhaste para os teus?”
Defronto-me com uma visão chocante: meus olhos exibem uma íris também opaca e, repulsa, desprovida de movimento. Jogo o espelho ao chão.
Duas moças, simpáticas, veem meu estado e buscam me consolar. “Olhe para os nossos, também são opacos e sem movimento, mas aprendemos a movê-los deformando a plástica das nossas faces… até conseguimos apresentar um simulacro de vida… engenhoso, não?!”.
O homem que me havia tocado o ombro, acrescenta: “Posso te ajudar. Trago bolas de gude para qualquer emergência…”
Aproxima-se com uma pinça enquanto eu, sem reação, permito que retire meus glóbulos oculares. Imediatamente encaixa e ajeita uma bola furta-cor de vidro maciço na minha órbita direita. “Se não tivesses quebrado o espelho veria que ficou bem melhor”. E repete a operação no lado esquerdo. Desajeitado, agradeço a ajuda e retomo meu caminho na direção de casa.
Dez passos adiante sinto me pesar o rosto, passo a mão: um dos olhos de vidro escorrera coisa de dois centímetros e arrastara a pele junto. Mais adiante o peso na face aumenta. As duas esferas vítreas estão quase na altura do queixo. Não preciso de espelho para perceber que meu aspecto é o de uma aberração. Agoniado, arranco aquelas excrescências. E quedo desesperançado. Conseguiria prosseguir?
Parado ali no meio do mundo, a ouvir aquelas vozes monologando dilemas e a perspectiva do navio acontecer de voltar a me perseguir, sinto-me o mais miserável dos seres vivos sobre a Terra e num gesto involuntário olho para cima: vejo uma miríade de estrelas a cintilarem no céu escuro nesta agitada noite.
Enxergo. Cessa a perturbação. Os olhos da alma se abrem.