sábado, 14 de setembro de 2024

e a gente espera o ônibus

 

Subjetividade Enlatada, Mobilitas, 2018



e a gente espera o ônibus...

em geral já vem lotado

mas gente se espreme

e faz de conta

que a roçada de corpos

(perfumes e suor misturados)

é natural… desculpa aí

se te encoxo

ou vice e versa… epa: olha,

o código penal tá de olho

opa! licença aê… perdão

foi sem querer a esfregada

desconta no desengonço do ônibus

ah, essas freadas bruscas…

disfarça, foi mero acidente

meu olho encontrar o teu

... sigamos

costumeiros e estranhos

de ponto em ponto

à espera do final


 

sábado, 7 de setembro de 2024

tristeza

 

Tristeza, Ema Mazánková, 2019


você é triste de que jeito?

escondido, na solidão das penas,

ou, rançoso, afogas mágoas

num copo, num prato, num coito?


qual o tamanho da tua tristeza:

te faz abraçar o mundo, compassivo

ou a autopiedade te amiúda em ais

e te leva à ira mas à poesia jamais?


o quanto permites te manipule,

te engane, a tristeza,

esse fado que acolhes?


se dor é fingir que é dor

a dor que deveras sentes…

que o teu amargor tal sina 

não ouse te fazer de besta


 

sábado, 31 de agosto de 2024

barão assinalado

 

Head VI, Francis Bacon, 1949



ainda não me enxotas da rua

do ônibus, do shopping

da fila do supermercado, do barzinho da orla

das feiras de negócios, de eventos culturais…


até encaras meus olhos

pra conferir se sou dos teus

e pensas: conheço donde?


mas de soslaio consideras natural

que’u ande pelaí,

faz parte… deixa estar… normal…


diante do meu desenvolto bem estar

caso te assalte a ideia: é fi de quem,

o fela da mãe, que fazes?

acionas o teu modo segurança;

gritas lá no fundo

que o mundo tá uma bagunça;

decide de per si que a política é reduto de ladrões;

irrompe das tuas entranhas

um desejo de matar todo mundo; ou

engole seco e humilha bem alto

a garçonete pelo preço das coisas?