Man at the Window, Gustave Caillebotte, 1875
Acontece
que um jornal, daqueles do tipo sério, um dos tais que costumam
inventar notícia sempre que o caixa vai a zero (e dizem que o caixa
sempre está sempre no zero), decidiu publicar que Dom Pepe, gerente
fofucho do Circo Mequetrefe deu na louca de fugir com a bilheteria do
espetáculo do último final de semana e, graças aos recursos do
photoshop, ilustrou a matéria com fotografias do queridinho
das balzaquianas frenéticas (exímias frequentadoras dos bailes da
melhor idade e saudosistas contumazes dos festivais de MPB nos anos
60), que adoram cultivar canteiros de antúrios numa chácara na
periferia de uma grande cidade, lá pras bandas da caixa-prego,
pertinho donde o vento faz a curva, feliz da vida tal qual pinto
ciscando em terra molhada…
Escândalo
como este não se criava a anos. Todos os operadores do direito,
notadamente aqueles na bica de serem nomeados, sem embargos de
qualquer natureza, para gozarem de sinecuras nos tribunais
superiores, mostraram suas indignações em comentários nas páginas
dos leitores dos periódicos de maior prestígio nas altas esferas,
além de textões repletos das mais supimpas citações jurídicas do
tempo do onça nas redes sociais.
Temi
um tsunami, mas a marola foi logo contida com a intervenção
providencial da turma que continua p*ta da vida com
rumo da política e, principalmente, o preço das coisas e não
encontra alternativa senão apelar para pelancas e pés de galinha
que, diga-se de passagem, andam custando os olhos da cara.
As
avós e mães solteiras (que carregam nas costas uma penca de
buchudinhos catarrentos a título de investimento no futuro do país),
foram às ruas gritar sua indignação diante da desfaçatez das
patroas que somem com aquele anel de diamante e, perante a companhia
de seguro acusam a doméstica de roubo de propriedade e vão à
justiça solicitar o encarceramento da serviçal enquanto aumentam o
valor das apólices sobre o preço futuro dos alimentos criando uma
espiral de inflação que destrói a economia, precariza o trabalho
e, ainda por cima, mantém a sustentabilidade de uma política
econômica austera ditada pelo capital internacional que precisa
investir os tubos na colonização de Marte – única saída para o
aquecimento global.
Houve
uma reação da ala que torce pela terceira guerra mundial, a turma
que não tem dúvida de que o Cristo só retornará para levar os
seus 144 mil para sentarem à direita do Todo Poderoso após a queda
do sistema que usa vacina para implantar chip nas pessoas; que rotula
os indivíduos com a marca da besta através do código de barras;
que produz discos para serem escutados ao contrário; e aposta todos
os dízimos de que o Estado de Israel é a ponta de lança deste
processo de fim e recomeço do povo de Deus. Tais pregações, mesmo
extrapolando as paredes do armazém de número 100 na Rua dos Aflitos
(que, por sinal, deve o aluguel a mais de seis meses e, portanto, já
recebeu ordem de despejo expedida pela Vara das Execuções da
Capital), não conseguiu qualquer comunicação com a civilização
alfacenturiana através do celular o que só fez aumentar as
imprecações contra deus e todo mundo, e a adoção desesperada de
um pneu a quem pudessem dirigir suas preces tal qual os fugitivos do
Egito inconformados com a falta de pulso e tino do guia Moisés.
Eu,
que estava desassossegado diante de tanta desinformação decidi
fazer de conta que nada disso me dizia respeito e fui molhar os pés
nas areias do Abaeté, na esperança de que Iemanjá desse o ar da
graça e lançasse, em minha direção, os desejosos ohos da daquela
morena de cabelo acastanhado que saracoteia diante do meu tesão já
faz uma cara.