sábado, 2 de março de 2024

Homens da minha vida

 

Estudo do Homem, Anita Malfatti, 1915


Minha primeira paixão? Pateta (o amigo do Mickey). Depois vieram Cavaleiro Negro, Zorro, Jerry Lewis, Elvis Presley… Cinema e Quadrinhos, quadrinhos e cinema… paixões cultivadas até…

Um dia li um livro do Monteiro Lobato (não lembro o título), e uma passagem me chamou atenção: um aparelho nos fazia viajar à pré história da humanidade. Explodiu minha cabeça… Mal sabia que adiante conheceria a televisão.

Me apaixonei pelo meu professor de português (na época do ginásio), que me disse o porquê participar de passeatas e mais adiante o encontrei no Robin Williams da Sociedade dos Poetas Mortos.

Clint Eastwood foi o durão mais amável que passou pela minha vida (muito mais depois de Os Imperdoáveis). Também me cativaram, pelo charme e doçura da masculinidade, Marcello Mastroianni, Marlon Brando, Al Pacino, Robert De Niro…

(Porque será que nunca me apaixonei pelo Superman, Batman ou qualquer outro super-herói?)

Ah, Junito Brandão… professor de literatura grega… sua escrita me fez comprar a coleção inteira dos seus livros e me deliciei com suas histórias assombrosamente vibrantes de deuses e semideuses mitológicos.

Um professor num colégio cristão destinado a formar boas esposas, Joseph Campbell, me desvendou As Máscaras de Deus e percebi a mecânica que movimenta esta criação ardilosamente humana.

E Isaac Asimov? Ah, este me fez entender, com A Última Pergunta, que amar é sobretudo conhecer.

Borges e suas Ficções foi amor à primeira linha; As Cidades Invisíveis fizeram tanto carinho na minha alma que ainda hoje penso em sair de porta em porta a perguntar se têm um instante para ouvirem a palavra do Ítalo Calvino.

Reservo um cantinho secreto do meu ser exclusivo para o Pessoa, quase um heterônimo de mim mesmo.

Por obrigação, li Vidas Secas, São Bernardo… E me foi impossível não ceder à paixão diante de Graciliano Ramos que, num passe de mágica, me levou aos braços de Machado de Assis, onde me aninho, certo de estar, senão na melhor companhia, mas na presença de alguém que, nos tempos atuais, em meio a tantos implacáveis fuderosos fodásticos, nos apresenta a vida real - a verdadeira, bela e contraditória experiência humana. 

 

sábado, 24 de fevereiro de 2024

Síndrome de Bentinho

 

Atrás da cabeça, Argishti Mesropyan, 2019


Moribundo, agarrado na mão do filho, não consegue evitar o pensamento que o persegue desde sempre: “fruto meu, resultado da minha união com uma infiel dissimulada de olhos oblíquos, tu és gay, pois não?!”

E mirou a filha: “Quanto a ti, minha filha, flagrada em indecências com outra garota… bem, talvez venha a me dar alguma alegria… menina arretada, sim senhor.

E acordou no 8º círculo do inferno dantesco. "Era gay, não tenho dúvida". 




sábado, 17 de fevereiro de 2024

The End

 

Man in a Chair, Francis Bacon, 1952


Ora bolas, não me amole

O que eu quero? Sossego!”

Tim Maia


Nasci, cresci, me desenvolvi e creio que vou morrer num ambiente altamente tóxico – neurótico de nascença.

Senão vejamos: dos 17 aos 60 anos trabalhei, em média, 9 horas por dia, passava cerca de 2 horas dentro de um transporte coletivo e todo mundo achava normal chegar em casa, morto de cansado, jantar qualquer porcaria ou restos do dia anterior, porque não havia tempo, dinheiro ou disposição pra fazer algo melhor e ter como perspectiva cochilar diante da televisão, garrar num sono desgrenhado e ser chutado da cama pelo despertador para repetir a dose na manhã seguinte, como se não houvesse amanhã, porque a jornada devia ser cumprida chovesse ou fizesse sol.

Hoje, aposentado, mal consigo dar dois passos sem que me doam todas as fibras nervosas do meu esculhambado corpo, enxergo que os mesmos que aplaudiam minha diligência em ser um cidadão exemplar, ordeiro e trabalhador dos 17 aos 60, agora vivem a me encher o saco com exortações apocalípticas para que obedeça orientações médicas, nutricionais e faça exercícios regulares porque só assim poderei curtir e aproveitar o melhor da melhor idade e, principalmente, evitar onerar ainda mais o SUS em busca de cuidados médico-hospitalares.

Vocês me digam, caso sejam nativos dalgum planeta fora deste sistema planetário onde as leis físicas me obrigam a não ter qualquer esperança além de ser tragado por um buraco negro ou sofrer as consequências da explosão do nosso sol: é ou não é motivo bastante para que eu procure a primeira igreja evangélica e compre, em suaves prestações, um lugarzinho no céu e aguarde o arrebatamento em pleno carnaval em Salvador?

Conclusão: sem pressa, vou deixar rolar a filosofia do the end: viver cada instante como se fosse último – óbvio que fazendo de um tudo para não atrapalhar o tráfego (tal qual na profecia chicobuarqueana), afinal, sei lá, mesmo sem entender patavina de física, sociologia ou literatura, penso que já sei bem onde sinto cócegas, arrepios de tesão e, fundamentalmente, onde me dói o calo.