sábado, 10 de fevereiro de 2024

tese

 

Foto Iván Tejero, 2014


(vinho bom

é vinho velho

que não avinagrou)


duvido

desse negócio de Buda manso na infância

muito menos Buda sereno na adolescência

ou sábio na maturidade… pra mim

Buda que é Buda

só é Buda de verdade -

manso, sereno e sábio,

depois de ter vivido

no mínimo

uns 80 aninhos… e olhe lá

80 é um bom tempo

para que o remorso

e o arrependimento

comecem a fazer o trabalho

de amaciar a carne


 

sábado, 3 de fevereiro de 2024

família

 

A Família Sagrada, Francisco Bayeu, 1776



toda família é sagrada


toda família tem um psicopata… fascista

toda família tem um miliciano… pedófilo

toda família tem um parasita… drogado

toda família tem um moralista… tarado

toda família tem um fanático… corrupto

toda família tem um político… escroto

toda família tem um liberal… racista

toda família tem um filho da mãe… misógino

toda família tem um religioso… satânico

toda família tem um 'sabe tudo'… covarde

toda família tem um idiota… bombado

toda família tem um mafioso… cristão


toda família é imperfeita



 

sábado, 27 de janeiro de 2024

O velho barbudo da casa de fundos

 

Google Imagens




Em geral, o sujeito adulto perde a curiosidade deixando no lugar o sentimento fofoqueiro de saber e se deliciar com os segredos e as desgraças dos outros. A criança não. A criança olha, vê e quer saber de tudo.

Na rua de cima, havia um portão amarelo, com uma sineta por campainha. As crianças que moravam por ali adoravam competir pra ver quem conseguiria tocar mais vezes aquele sino na vã tentativa de fazer com que o velho barbudo que morava no fim daquele corredor estreito e escuro viesse até o portão e dissesse alguma coisa, qualquer coisa: era o desejo secreto de cada um – ver e ouvir aquele estranho se manifestar, já que o comum é vê-lo subir com esforço a pequena ladeira, sem dizer palavra, até a casa que nenhuma daquelas crianças fazia a menor ideia como seria.

Seria um bruxo, um feiticeiro capaz de transformar cada um em sapo ou coisa pior, só pelo prazer de castigá-lo pela perturbação? Seria sua casa um buraco que ia dar no fim do mundo? Se sabia atiçar todos os cachorros na madrugada, fazendo-os latir mais que o habitual, seria ele um comedor de gente, um lobisomem, um vampiro, um diabo disfarçado de gente?

E todos acabavam indo dormir, obrigado ou não, com a pergunta martelando na mente: Quem era aquele velho silencioso e taciturno que vez por outra levava a paralisação da brincadeira para todos pudessem observar os passos exaustos que ele insistia em continuar praticando em direção à sua casa misteriosa.

Alguns adultos, por força de circunstâncias, visitaram a casa do velho barbudo, viram o que era pra ver mas não fizeram esforço para aliviar a imaginação das crianças, afinal não faziam ideia do que as perturbavam nem tampouco sabiam como satisfazer suas dúvidas e interrogações.

E elas, reunidas, no cair da noite, brincavam com intensa alegria. O velho barbudo ouviu um ou outro choro mas compreendia que era apenas um conflito com uma mãe que a queria na cama ou no banho.

E nestas horas em que até os cães se calavam, o velho barbudo pensava apenas numa frase que ouvira a muito tempo: “onde tem criança o diabo não fica”. E se dirigia à cama para mais um sono tranquilo.