The Alchemist Cook, Marina Pallares, 2011
Vindo
de uma longínqua galáxia, um raio de luz se aproxima do nosso
sistema solar. É um meteoro.
Na
Terra, um velho camponês observa a rocha celestial cair do outro
lado da colina. Entra na cabana, consulta manuscritos, apanha alguns
instrumentos e sai pela porta afora correndo em direção ao local da
queda.
Em
torno da enorme cratera recolhe o que consegue e volta para casa.
Separa um pedaço e o restante guarda num cofre. Num moedor, reduz o
fragmento a pó que, misturado com um pouco de água, produz uma
argila escarlate.
Brinca
com a massa, até que, finalmente, molda uma figura – figura
humana. Admirado, a leva ao forno para cozer. Após a queima, retira
a estatueta, deposita numa prateleira, dá-lhe um beijo de boa noite
e vai dormir.
Tudo
em volta é silêncio. Os olhos da criatura lentamente se abrem.
Examina tudo à volta. Um livro atrai sua atenção. Pega. Vai até o
pé da cama do velho com o livro nos braços, folheia e logo
adormece.
Ao
acordar na manhã seguinte, o velho, admirado com a sua criatura,
confere o livro - é a história de um
menino-feito-de-madeira-que-quer-ser-gente-de-verdade. Passa a manhã
preparando uma linda roupa para o seu
homenzinho-de-barro-que-veio-do-espaço pois desejava muito
apresentá-lo ao rei.
Buscou
um pretexto para ficar a sós com a majestade. Mas em vão, os
figurões do palácio o cercaram com perguntas sobre o fenômeno que
todos viram ontem, se aquilo era um sinal dos deuses, se algo de bom
ou de mal estaria para acontecer, se o reino estaria ameaçado por
algum tipo de força estrangeira…
Diante
de tantas indagações, falou o que pode, da posição dos astros,
dos mapas astrais, apresentou um manuscrito e num ato de coragem
tirou do bolso o garoto-do-barro-espacial e ninguém acreditou:
caíram na risada e disseram que aquilo era uma brincadeira de mau
gosto num momento de grande preocupação. Que aquilo era mágica
barata, de quinta categoria. De que jeito um boneco de barro que se
mexia poderia ser útil ao reino?
E
tomaram o menino-de-barro e jogaram com ele como se joga peteca. O
velho, confuso, conseguiu finalmente pegar sua criação, colocá-la
de volta no bolso e saiu do palácio, abatido por conta das piadas e
chacotas dos fidalgos.
No
caminho de volta, o velho, frustrado, examinou se o menino-barro era
mesmo algo a ser preservado, se servia para alguma coisa, se podia
lhe ajudar a entender as propriedades e virtudes da rocha que veio do
espaço.
E
após muito se interrogar, decidiu que o melhor seria esquecer tudo e
se livrar da sua criação. Ao chegar numa encruzilhada, colocou a
criatura no caminho oposto e faz sinais para que desaparecesse. A
criaturinha não compreendeu aquele comportamento e, em vez de seguir
pelo caminho indicado, decidiu acompanhar o mestre.
Ao
chegar em casa, o velho ainda tentou destruir o menino, o jogando ao
fogo… mas se arrependeu, pediu perdão com muitos beijos e abraços.
Eufórico, começou a tossir e tossiu tanto que desmaiou ali mesmo
sobre a mesa. O garoto se colocou ao seu lado e pegou o livro com a
história de um homem-que-cria-um-homem-com-pedaços-de-outros-homens
para, antes de dormir, dar uma folheada.
Passado
um tempo, a
criatura
cresceu, mas ainda é de barro. Cuida dos afazeres da casa, enquanto
o velho continua sobre a cama, doente, a definhar. Dedicado, domina
as diversas artes que fez a fama do artesão.
Um
dia o velho o chamou
pra si, lhe
apontou
o cofre donde
foram
retirados
fragmentos do meteoro, manuscritos desconhecidos... E
num ato final, pousou
a mão sobre
a cabeça
do
menino-homem-feito-da-pedra-que-veio-do-céu
que, num passe
de mágica, se
viu
transformado
numa pessoa de carne e osso.
O
camponês-artesão
sorriu para
o
seu filho e
morreu. O rapaz
envolveu
o
corpo em
lençóis
e
o conduziu nos braços até a
cratera do outro lado da colina onde o meteoro havia caído.
Tristes,
alguns vizinhos apareceram para o último adeus e, atônitos, viram o
corpo do velho virar facho de luz e ganhar o céu e sumir na
imensidão da noite centelhada de estrelas.
Agora,
a criatura humana dedicada a estudar o céu profundo, ocupa o lugar
do mestre. Ajuda os vizinhos em suas solicitações. Tem sempre uma
nova maneira de resolver velhos problemas.
Os
dias continuam ensolarados. As noites continuam estreladas. Meteoros
continuam a cair do céu. E
aquele-menino-homem-que-nasceu-da-rocha-que-veio-do-espaço segue
moendo as rochas recolhidas para fazer argila vermelha. Nas horas
solitárias, continua a brincar de moldar criaturas de todos os
tipos, gêneros, tamanhos, formatos e cores.
Na
corte, o bando de nobres tolos continuam entregues aos seus esportes
prediletos: festas, jogos e cobrança de impostos.
O
jovem artesão, após um dia exaustivo de trabalho no sótão da
cabana, esquece o telescópio e as anotações. Apaga o candeeiro,
desce à sala… Suas criaturas o saúdam. A cada um dispensa um
gesto de carinho, um beijo, um abraço… Embora o sorriso não lhe
saia do rosto, traz os olhos cansados. Coloca um pouco da sopa num
prato, mas tem o pensamento noutro lugar. Levanta-se, vai até uma
escrivaninha e vasculha planos… Planos para criar sua obra-prima.
Na
janela, olha o céu, destaca uma constelação, alcança uma galáxia,
um sistema solar, um planeta, um campo, uma cabana, um laboratório
cujas paredes e móveis estão cobertos de livros, manuscritos,
planos e instrumentos.
O
menino-homem-que-foi-criado-do-barro-que-veio-do-céu não é mais
barro, nem menino, tampouco homem… É um raio de luz que,
transformado em pedra, cai no parapeito de uma janela enorme e ali
fica a observar uma moça reduzindo a pó fragmentos de rocha.