sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Tenho convicção mas não posso provar que…

 

El lobo sí se comió de verdad a Caperucita, 
Julio Galán, 1993



Nasce verruga no dedo ao apontarmos uma estrela.

Um fio de linha vermelha umedecido com saliva e colocado na testa cura soluço.

Comentarista de futebol é uma atividade vital.

Palavra de juiz é lei.

Todos são iguais perante a justiça.

Deus existe.

A religião torna as pessoas melhores.

A morte é apenas uma passagem.

A polícia nos serve e protege.

Herança é mérito.

O trabalho enobrece.

A economia é uma ciência exata.

O capitalismo é o melhor dos mundos.


 

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

a história do bem viver

 

O Mazzini Moribundo, Silvestro Lega, 1873



foi uma vez

pras bandas do oriente

era uma tribo de criadores de cabras

cujo pai de todos adoeceu…


sem esposa que lhe cuidasse

(se esquecera de casar outra vez)

à espera da hora final,

desaparecia sobre o leito


na sombra do meio dia fatal

os descendentes, reunidos em torno dele,

ansiosos para ouvir quem tomaria seu lugar

(cada um a querer pra si a honra

de comandar os destinos do clã)

e herdar uma montanha de bens

passíveis de serem trocados por prazeres


antes do último suspiro, o ancião

lembrou moribundo

que ao comunicar sua condição

a todos os filhos e filhas

recebeu a mesma resposta: se cuide!

mas apenas um devolveu:

posso ajudar em alguma coisa?


chamou pra si a mão daquele filho

a abraçou sobre o peito,

e antes que sumisse para sempre,

deu-lhe o anel da família

sussurrando o segredo

da história do bem viver e cuidar.


 

sábado, 16 de dezembro de 2023

reflection under virus

 

Vírus, Isabelle Pop, 2020




eu, poeira de estrelas

continuo local…


meu vizinho fala tanto

que desperta a solidão do cosmo.


e meus amigos, com razão,

preferem amenidades culturais

(nada que comprometa

a despedida após o porre)

- um abraço, tchau e pronto!


minha memória perdeu o tesão nas sinapses

e me preocupa ter esquecido do futuro...


porque ando a apreciar ratos

que invadem o quintal,

multiplicados tantos…


pesquiso um raticídio e estremeço:

meu medo não é fácil de exterminar.


o que será dos gatos,

dos manguitos que despencam,

da árvore moribunda que cresce ao lado

e acumula uma montanha de folhas mortas?


preciso de uma estratégia

para o descarte do lixo

e que me deixe fora dessa equação.