sábado, 22 de fevereiro de 2025

era uma vez

 

Odalisque, Guillarme Seignac, 1900


a muito tempo atrás

(quando os pulmões do mundo

respiravam o ar estreito da juventude

e os meus colegas de colégio pareciam

teimosos pássaros a sobrevoarem um tempo

cheios de asas de alegria, entusiasmo -

tirando o pior que rugia lá fora -

esperanças, bonitezas e perspectivas)

eu acordava, corria pro banho,

sob luz fria da madrugada,

escovar os dentes, tomar banho

e voltar correndo

pra escolher a roupa cansada de todo dia,

tomar café com leite, pão e manteiga

crente no ônibus pontual

que me levaria para 9 horas de trabalho

de segunda a sexta-feira…

(às vezes aos sábados ou domingos

meu chefe nos convocava pro balanço

e lá íamos engaiolados, na kombi da firma,

contabilizar os detalhes e sobras

da velha fábrica de percaline…)


ó tempo que não passava!

pois nada sabia, apenas intuía

o anormal que me acostumara

às ordens imperiosas da mãe-pátria,

a quem eu devia amar ou deixar,

(obedecer era tudo!)

e lá ia com fome, com sono

esperar o carnaval chegar,

cumprir a regra geral…

e até casei, de papel passado,

com o lar doce lar

e fui dormir no cabaré

à procura daquele amor

que tatuou cicatrizes em minh’alma

e apertou minha mão no velho cinema

diante das imagens do príncipe valente…

mas quem era eu pra sustentar

aquela mulher da vida, zélia linda,

última flor do lácio,

a me arrastar à poesia,

a rebobinar memórias,

último refúgio que alimenta,

tal qual numa fita de Fellini,

o seio túrgido da paixão


 

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