sábado, 7 de outubro de 2023

pode ser?

 

Acima da Cidade, Marc Chagall, 1918



hoje, a cidade amanheceu calma:

maré baixa, piscinas cristalinas

peixinhos, pedras e ouriços…

não ouvi sirenes

a anunciarem desconfortos e desgraças


aproveitei pra sonhar

o que mais quero neste intervalo:

te amar diante da janela

ao som inexorável do martelete buf buf

no concreto da casa ao lado

a pontuar o tesão e as batidas

dos nossos doloridos corações


vem, amor

que não há quem nos proteja

de tamanho caos


morramos soterrados pelo engenho

dos fabrishomens barulhentos

e ressuscitemos no silêncio inventado,

momentâneo

de nossas almas saciadas

alheios à cidade,

ao desejo e aos aplausos


vem amor,

que este tantinho de generosidade

faz a desdita nos esquecer…


vem, que deslembro das queixas

dos remorsos, segredos, mimos, dengos

calundus, manhas e caprichos -

trejeitos que herdei do meu pai

(fraco, topado de orgulho)

sempre pronto a revidar… vem, amor

amanhã pode não ser


 

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