uma vez disse a um amigo
que não suportaria
um ente querido morrer antes de mim,
sofreria muito,
preferiria ir primeiro…
ele, espantado, me olhou nos olhos e respondeu:
– que pensamento egoísta
pois desejo ser o último a partir
quero que, enquanto puder,
na última despedida dos meus
seja minha a mão a dizer adeus
demorei para compreender essa lógica
mas ponderei: - já pensou?
quando me apartar
em vez de solidão e vazio
ser saudado por todos
que, alegre, saudamos no partir
e este passou a ser o meu mantra
não me preocupar com a partida
afinal – eis o meu conforto
imaginar que há sempre alguém a nos saudar e honrar
não trato aqui de religião
não frequento culto
tampouco trabalho para erguer igrejas
apenas me presto a encontrar amigos
no sagrado templo eventual de um bar
onde, naturais, fazemos libações
cantamos a existência
e saudamos a viva alegria de ainda estarmos aqui
a testificar um instante
um tantinho de memória
uma nesga de lembrança
na santidade dos amados que partiram
sem jamais mencionarmos que morreram
por isto, digo: no dia em que me for
por favor, camaradas, façam alarde
se enfeitem, cantem, dancem,
comam, bebam, gargalhem
dêem vivas, gritem hurra
vossa alegria há de expurgar os meus defeitos
e fazer germinar virtudes
jamais sonhadas
pois eu, átomo,
invisível e silencioso
ao me juntar à vastidão do universo
serei mais ínfimo do que sou agora
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