A reunião estava marcada para três da tarde. Quinze minutos antes, ela se apresentou na recepção e foi convidada a subir – uma assistente iria recebê-la na saída do elevador. Sozinha, diante do espelho, deu leves retoques na aparência, limpou com o mindinho uma mancha de batom que lhe escapulia no canto da boca, ajeitou o cabelo e aguardou a porta abrir.
Um tremor percorreu a espinha da assessora, quando a viu. Se tivéssemos acesso ao histórico da vida íntima dessa moça, veríamos que sua figura esquálida, resultado de um projeto minimalista, consistia apenas de um sorriso marmóreo fixado, sem nenhum contraste na máscara que servia de rosto e que nunca a flagraríamos em desejos sexuais na direção de qualquer pessoa muito menos em relação a outras mulheres... No entanto, ali, alguma coisa a atingiu, provocando-lhe a impressão de que, praquela outra, carregaria bondes. Mas como boniteza e tesão são conceitos relativos, fez de conta que não era com ela e apenas limitou-se a indicar a direção. - Por aqui!
O currículo impecável passou por toda a cadeia de comando da Tomorrow e acabou na mesa da diretora de desenvolvimento que, contrariada, não via necessidade da contratação de novo colaborador. Porém, em face dos tantos "ok" emitidos pelos sócios ficou meio que numa saia justa. Mas, decidida a fazer o seu trabalho, convocou toda sua equipe para participar da avaliação e cobrou um rigor além do necessário. Alegou que o cargo a ser preenchido era altamente estratégico e que não estava disposta a arriscar o futuro do seu departamento.
Quando ela entrou, a sala foi tomada por uma espécie de transe e embora ninguém tenha esboçado qualquer reação àquele impacto, o clima pesou. Ela sentiu a gravidade mas não demonstrou abalo e colocou diante de si, sobre a mesa, o conteúdo da pasta que trouxera a tiracolo e preparou-se para a apresentação.
- Você veio muito bem recomendada, disse a diretora, com um certo desdém perceptível apenas por quem lhe vinha prestando serviços nos últimos cinco anos. - Quem sabe você venha a apresentar alguma coisa que nos desperte apetite…
Todos se mexeram nas cadeiras, alguns fizeram esboço de que iam tomar a palavra mas foram apenas falsos movimentos, jogos de cena, trejeitos de poder, afinal ninguém sabia muito bem como agir diante da possibilidade de que aquela desconhecida pudesse representar qualquer ameaça ao departamento e, consequentemente, à toda poderosa diretora.
Mas ela possuía todas as qualificações e ia além, dava de lambuja uns dez projetos onde tinha conseguido resultados que explodiram no íntimo dos presentes como edições especiais em horário nobre de todas as TV comerciais. Seria uma aquisição e tanto, capaz talvez de duplicar o faturamento em muito pouco tempo. Faca nos dentes ele tinha. E entregava o que prometia. Via-se nos comentários de diversas fontes, em recortes escrupulosamente catalogados numa pasta à parte, onde apareciam notas e resenhas de influenciadores econômicos, dos melhores informativos em diversos níveis da cadeia lucrativa.
Com uma lucidez que nunca foram capazes de obter em nenhuma de suas epifanias de marketing, viram como num filme, o futuro deles e do departamento: aquela mulher era o caos mais lindo e perfumado do mundo; assistiram tsunamis, participaram de degolas, colaboraram em suicídios… tudo para que ela palmilhasse um caminho até o topo com a tenacidade dos predadores… e, ao final, sentiram seus dentes brilhantes penetrar-lhes as carnes, mastigá-los e engoli-los, um a um, sem dó nem piedade.
Ninguém vacilou em dar o seu não. Ninguém é maluco a ponto de colocar sua cabeça a prêmio, assim de graça, apenas para que acionistas possam babar sobre o lucro no final do semestre. Ficaram com o arroz e o feijão costumeiro, muito mais confortável.
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