ah, minha alma mais antiga
meu nordeste encantado
sertão, caatinga
relampejar de delírios
oitava acima do normal
voz a desafiar lonjuras
desgraças e saudade...
ah, galega, moira minha, tudo no nada
meu engenho, meu mel
minha cachaça, pão cozido em miragens
nordeste recheado de reinos,
dragões, pavões misteriosos, visagens
príncipes e princesas,
bandoleiros heroicos, amores fatídicos
vinganças homéricas, dores abissais
matutos astutos quais semideuses
e madrastas cruéis que nos roubam os pais
em luares habitados de presságios e rapinas
ah, meu nordeste de infinitos tempos
cruzados na ciranda melancólica das horas
que a fantasia se nos cumpra e salve
da secura do clima e dos hereditários coronéis
meu nordeste dos bumbas e pastoris
maracatus, cavalhadas...
folguedos doces, tão doces quanto as cocadas
os quebra-queixos, rapaduras e queijadas
que as mestras (sacerdotisas pagãs
avalistas do mistério cristão)
entregam aos corpos e às almas
em terreiros e quintais, a hóstia comezinha
o espanta-medo das mulheres-meninas
que choram solidões dos seus meninos-homens:
galalaus em longínquas partidas
prisioneiros de promessas
ah, meu nordeste
apesar de tudo, no lugar de lágrimas
forjaste um sorriso estridente
eita gargalhada estrondosa
gaitada sonora, fórmula mágica
capaz de silenciar o Olimpo
e perpetuar um modo de vencer o medo,
de preservar a vontade
de tornar o mar um dia
habitante sempiterno do sertão.
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