Cosmic Map, Bruno Munari, 1930
João
da Silva Guimarães, mestre de campo, encarregado de desbravar o
sertão baiano, está velho, cansado e delirante. Passa o tempo
rememorando suas andanças em busca de ouro e prata para a coroa
portuguesa.
No
fim da
jornada, tem como propósito
escrever uma carta para
El Rei
(e estamos falando aí de
algo por volta de 1760
e alguma coisa) onde
narrará
as aventuras de Belchior Dias Moreira,
o Muribeca
(Mosca Chata),
filho de Diogo Alvares Correia, o
Caramuru (Moreia,
em tupi) com a cunhada Moema (Abençoada), irmã da sua esposa
Paraguaçu (Mar Grande). Será
uma história
ouvida de várias
vozes de um cem
números de gentes, cujo
título já tem pronto: Relação
histórica de uma oculta, e grande povoação antiquíssima
sem moradores.
Mas
como a terra gira e a lusitana roda, a missiva, se chegar a ser
escrita, ficará conhecida
apenas Documento
512.
E
ficará arquivada na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro a
espera
de que, um dia, alguém a decifre. Porque ali estará
firmado,
com todas os
símbolos e letras,
que Muribeca
saberia
da existência de uma tribo
desconhecida que
exibia lindos
enfeites dourados e
prateados. Que,
após muitos obstáculos e
revezes conseguiu chegar a uma montanha cintilante, coberta de
cristais. Que daí
seguiu por uma
estrada de pedra, passou
por dentro de uma
montanha e, finalmente,
através de um caminho pavimentado, chegou
a uma grande cidade onde,
na entrada, havia três
arcos (um central, grande; dois menores nas laterais) com inscrições
grego ptolomaico (?).
Que reparou
que as casas eram todas
iguais e interligadas. Algumas tinham mais de um andar. Que
na praça central, havia
uma enorme estátua, em pedra
preta, de uma figura despida da cintura para baixo, com a mão
esquerda sobre o quadril e o braço direito estendido a apontar para
o Norte, trazendo na cabeça uma coroa de louros. Que
ao lado da praça, corria um
rio que desembocava numa
cachoeira rodeada de tumbas e
que, neste exato
local,
Muribeca encontrou uma moeda
de ouro, que trazia,
numa face,
o relevo de um rapaz ajoelhado e na
outra,
um arco, coroa e flecha.
Envolto
nesse mistério alucinante,
João Guimarães se
perguntava o
que significava tudo aquilo?
E via
a si na
estrada de pedras, entrando
na montanha dos cristais, atingindo o caminho pavimentado
e chegando aos três arcos na entrada da grande cidade…
completamente em ruínas… mas
não enxergava
vivalma. E beirando o rio
que beira a praça, chega à cachoeira, às tumbas, ao
local onde Muribeca
encontrou a moeda…
Súbito,
já se vê às
margens do Rio Paraguaçu cumprimentando
seu companheiro João
Gonçalves da Costa que, a
mando do governador da capitania,
Manuel da Cunha e Menezes, estava
dando guerra aos elegantes
Mogoyóis em busca de ficar
pé naquelas brenhas
sertanejas do que um dia
seria o estado da Bahia. E
ali, sem qualquer
reparo ou remorso, os
dois articulam
um plano infernal:
promover uma festa, em honra dos nativos e após embriagá-los,
mata-os
todos. Desta
forma nasceu o arraial
da Conquista, mais tarde batizada de Vitória
da Conquista, terra onde este
narrador que vos fala tem um vago nome
e escutou, certa feita, do
mestre cantador Elomar esta
singela estrofe:
“Depois,
depois de muitos anos
Voltei ao meu antigo lar
Desilusões que desenganam
Não tive onde repousar
Cortaram o tronco da palmeira
Tribuna de um velho sabiá
E o antigo tronco do oliveira
Jogado num canto pra lá
Que ingratidão pra lá”
Voltei ao meu antigo lar
Desilusões que desenganam
Não tive onde repousar
Cortaram o tronco da palmeira
Tribuna de um velho sabiá
E o antigo tronco do oliveira
Jogado num canto pra lá
Que ingratidão pra lá”
Por
que a gente insiste em
voltar?
Porque há sempre o retorno.
Porque havemos de ver o que
poderia ter sido. Porque o
mais grave de tudo é a gente esquecer. Isto fui eu quem disse,
porque o João da Silva Guimarães, em meio a carnificina
programada,
vê surgir o
Muribeca, com um mapa nas mãos e
larga pra lá aquele mundaréu de corpos mutilados, aquela sangueira
tingindo as árvores e o
segue… pelo caminho das
pedras, por dentro da Montanha dos Cristais até a entrada da grande
cidade…
deserta.
– Não entendo, para onde
foram todos?
–
Talvez tenhamos errado
nalguma
dobra do caminho…!
Respondeu
João Magalhães, sem evitar de pensar em como contar
esta história a El Rei
sem que desse prova de estarmos
todos loucos? Mas teve que
interromper sua dúvida porque o Muribeca já insistia em rumar a
conversa para outra
banda…
– De
que adianta o paraíso se não há gente pra olhar?
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