sábado, 9 de novembro de 2019

Silêncio


Nina Akin, Alemanha


Três lugares que não gosto de entrar: delegacia, hospital e repartição pública. Devo ter entrado umas duas vezes numa delegacia por motivos que fugiam totalmente ao meu controle. E justamente por motivos que escapam ao nosso controle é que entramos num hospital. Já numa repartição pública, em geral, costumamos perder o controle.
Certa feita levei Mainha a um pronto socorro: Insuficiência respiratória e cansaço extremo a torturavam. Descobriram tratar-se de coisa grave, com consequências nada promissoras para os sistemas pulmonar, renal e cardíaco.
Decidiu-se pela internação imediata e lá fui eu, compulsoriamente, alojar-me numa poltrona ao lado do leito, por duas semanas, dormindo não mais de quatro horas por noite - com sorte.
Entre uma voltinha e outra para arejar a cabeça, senti falta de algo. Algo que não vejo há tempo. Bem, não faz tanto tempo assim, se levarmos em conta o nosso curto tempo da vida.
Falo de um item obrigatório em toda e qualquer parede de hospital: uma foto (ou seria gravura?) de uma enfermeira com o dedo indicador sobre os lábios a nos solicitar silêncio, a nos informar tratar-se ali de um local de circunspecção.
É certo que hospitais surgiram do esforço de comunidades religiosas e foram durante muito tempo administrados por religiosos. Daí surgir, certamente, aquela reverência diante da dor e da morte exigida pela moça de branco.
Porém, com a mercantilização da medicina, a piedade e a misericórdia saíram de fininho pela porta de trás. E na mercantilização da vida, administrada por uma burocracia insensível e desumana, a reverência cedeu lugar a informalidade do banal.
Dessacralizar o exercício da medicina, levar o paciente a sentir-se em casa, talvez ajude na recuperação... Porém, constato que o tom de voz nas dependências de um hospital, ultimamente, está alguns decibéis acima daquilo que a simpática enfermeira indicava.
Não raro, vemos em salas de visitas televisores sintonizados, em programas policiais, novelas ou ante sala dalguma celebridade, enquanto pacientes, enfermeiros, auxiliares, pessoal da limpeza, vigilantes, administrativos, residentes, etc., etc., trocam impressões como se estivessem num botequim ou no portão de suas casas. Nos supermercados somos mais reverentes.
Dirão que exagero… E que cada povo busca afirmar-se em seus próprios valores, atitudes e ideais. E justamente por sermos o país do carnaval e do futebol, somos assim tão expansivos, inquietos e exuberantes… Concordo plenamente. Mas por quanto tempo ainda preferimos tagarelar feito maritacas? E aí, olho pra mim e vejo o quanto sou impulsivo, o quanto me assusta o que não sei, o quanto me apavora e exaspera aquilo que não é igual.
De qualquer modo, o atendimento excedeu as minhas expectativas em se tratando de um hospital público. Sinto-me agradecido e dou vivas as nossas melhores qualidades e aos profissionais que as exercitam sem deixar de mencionar aquela pequena autoridade que nos recebe na entrada com um angustiante “na onde o senhor vai?”
Em momentos tais, costumo ficar dividido: Somos um caso de polícia, uma questão de saúde pública ou apenas um erro de português?



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