Autorretrato, Nam June Paik, 1983
O
apresentador lê a notícia. Sobe o tom e, com ele, os pontos da
audiência. Vende bem o peixe, o menino… Conforto para o bolso de
acionistas, anunciantes, publicitários… doce colírio para o
olhos de debutantes.
E
num passe de mágica, eu sou o apresentador. Desfaço a sombra por um
instante e confio. E pouco importa os fatos, pouco importa…
Eis
que o apresentador é família… e eu sou ele, meu próprio astro,
meu galã. Acima dos olhos, ocupo da sala, grave e solene… Fruo o
gozo ao tinir o martelo da justiça enquanto cascavelo a narrativa
estudada: poema bem feitinho para conduzir
manada.
Quão
humana é a minha (nossa) simpatia; vigorosa e sólida honestidade…
Penso que talvez inexista alguém tão fácil assim, inteiramente
construído de respostas. Alguém suporia outra intenção senão
aquela que me (nos) sai da fala?
Apenas
o amor constrói… Corra atrás dos teus sonhos… Invisível é a
mão do mercado… A cada um, o seu mérito…
Contra
caspas, o inofensivo xampu de babosa vai bem, obrigado…
Ah,
o espetáculo… essa roda viva onde a liberdade de expressão é
mero artifício, inacreditavelmente realista, forjada verdade.
Quantas dificuldades desumanas (?) que nos fogem nessa obra imensa de
deus?… E os toques coloridos, sexy e perfumados que desenho em
minha (nossa) pele... essa
alegria e certeza fabricadas sob medida para o meu (nosso) figurino.
Porém,
não demora e tudo se esvai. É quando fico (ficamos) abarrotado (s): há
mais mundo do que posso (podemos) suportar.
E é agora, que nós (o apresentador e eu), por força do hábito,
sobramos como resto de sobremesa sobre a mesa, saciados, a par de
tudo, lindos, arrumados, puros…
E
antes do costumeiro boa noite, naquele instante em que olhamos
finalmente nos olhos um do outro, silenciosamente nos arrepia o fato
de que perdemos a capacidade de nos darmos conta de que a boniteza
tem sido proporcional à nossa perversidade.
Mas,
infelizmente, não há tempo para lamentar, não há mais tempo: um
comercial nervoso está programado para nos
atropelar,
imediata e automaticamente.
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