Boy in Striped Sweater Sits on a Tree, Haddon Sundblom, 1929
cresci criança isolada
numa casa velha
em rua abandonada
nos fundos marginal
uma ribanceira irascível
e um teimoso capinzal…
quase à beira do abismo
descuidado pé de pinha
em ancestral ostracismo
orgulhoso, seco e apático
tinha de seu um fruto livre
temporão, cioso e raquítico...
encabulado diante daquela comezinha
deu-me ânsia construir um buraco
refúgio quando ficasse mal da mainha
quis imitar a altivez daquela árvore
desnutrida
(se é que se pode chamar de árvore
aquele varapau de apagadas folhas
exibidas)
e logo fui tomado por pensamento
adotivo
de plantar-me naquele chão amarelo
instalar-me em seu oco com meu trono
cativo
mas como, sem um pedaço de pão
reinaria
e aquele pé de pau, o que consumia?
viveria eu, invisível, do mesmo que
ele vivia?
foi aí que me encontrei cheio de
galhos
a emboscar indefesas criaturas
com meus dedos longos, finos e falhos
ao alongar-me, lá se vai uma avezinha
pois possuída por um obscuro dissabor
uma unha minha perfurou-lhe a
cabecinha
rápido, por meu tronco, goela abaixo
engoli aquele almoço pré-histórico
a apreciei o seu gosto cabisbaixo
e ao sonhar eufórico com tal
mesquinharia
ao ver o tanto demasiado era meu nada
aposentei minha desagradável sesmaria
desisti da breve vida vegetal e
fibrosa
e ao quarto insípido que me guardava
voltei sem outra lambança assombrosa
ao despedir-me da árvore que abraçava
caiu sobre mim hálito esverdeado e
pálido
suspiro fundo da companhia que saudava
e ouvi daquela fundura, semente velha,
bugalho
“o mundo visto por meus olhos não
é o mundo
é apenas um
mundo visto através dos meus olhos”
criança de alma cruel e erronia
cobri a cicatriz que expunha a raiz
e fui entreter as paredes com insônia
hoje, em cômodo outro vagabundo,
saúdo aquela vida resistente e calma
a falar-me mais que toda prosa do
mundo
à beira da ribanceira tomada de
capinzal
naquela casa fria, em rua abandonada
numa cidade feia, descuidada e
desigual
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