Katya still life, Zenaida Serebriakova, 1923
-
Mãe, não gosto de repolho.
-
Coma, é o que tem.
Houve
um tempo em que, na minha iluminada ignorância, achava que, no
mundo, deveriam existir apenas as coisas que fossem do meu gosto e
agrado.
Invariavelmente
chateado por ter de comer aquilo que repugnava meu “nobre”
paladar, ficava a imaginar porque o mundo era assim... Por que quiabo,
maxixe, abóbora, tomate, alho, espinafre, agrião, beterraba,
cenoura e repolho existiam?
E
imediatamente, me punha a inventar um mundo onde tais “coisas
desagradáveis” haviam sido eliminadas e restasse apenas o paraíso,
isto é, um mundo feito exclusivamente de confeitos, salgadinhos,
sorvetes, bifes e muito macarrão.
Mas
aí cresci e, embora defeituoso, um dia lembrei daquele diálogo com
minha pragmática e sábia mãe e compreendi que a vida é feita
também daquilo que me desagrada e que, de nada presta
esbravejar, sair por aí pedindo a destruição das verduras e
legumes, a proibição de seu comércio nas feiras e supermercados, a
erradicação definitiva de suas lavouras, a prisão, tortura e morte
daqueles que as cultivam... Não, nada que eu faça, impedirá que
vegetais continuem a fazer parte de dieta saudável, mesmo que eu
continue a preferir um sanduba ao invés de uma bela e quentinha sopa
de cebolas.
Idealmente
posso pensar um mundo apenas com as coisas do meu agrado, mas a vida
irá sempre colocar diante do meu nariz tudo que me desagrada.
E
mais, se busco destruir aquilo que me aborrece, corro o risco de
destruir a mim mesmo, pois gosto e desgosto fazem parte de um mesmo ecossistema: destruindo um, inevitavelmente destruo também o
outro.
A
verdade é que devo ser forte, amar a vida como ela é: só assim
consigo penetrar nesse mundo de contrastes evitando acabar condenado
a sobreviver na superfície, fraco, solitário, marginal, intolerante
e triste.
Nenhum comentário:
Postar um comentário