O Futuro chegou faz pouco, Fede Biagioli, Argentina
Como
se ocorresse
num
conto
futurista (no
velho e mundialmente
consagrado
estilo science-fiction
opera),
meia
dúzia de cópias
piratas
de
personagens
mal-ajambrados e
toscos invadem a cidade e causam
um
tremendo estrago com
sua linguagem chula,
injúrias
e
insultos
pornograficamente inaceitáveis.
Através
de edital, o chefe da polícia convoca o Homem “Branquinho” -
super-herói pau-para-toda-obra e professor particular de gramática,
para dar um jeito naquelas monstruosidades atentatórias aos costumes
talentosamente criativos do povo do lugar.
Pintada
como o combate do século, pelas forças de segurança(1), a porrada
come solta em cada canto, cada beco, cada brecha da lei, sem nunca se
atrever disputar audiência com a novela das nove por justa e
legítima reivindicação da primeira e única rede de mídia
nacional.
E
tal qual nos conflitos épicos típicos, o herói apanha pra chuchu
no começo para somente no final conseguir realizar seu objetivo que,
coincidentemente (2), devido a providencial ajuda das mais
requintadas agências de propaganda, é o mesmo da população que o
assiste e acompanha através das redes sociais e dos costumeiros
noticiários e comerciais.
Chegado
neste ponto, imediatamente após o estupro da liberdade de expressão
pela intolerância, o herói oficial consegue finalmente apagar do
sistema, um a um, as esdrúxulas criaturas – não sem deixar um
rastro de más recordações e péssimas lembranças, o que é
perfeitamente normal e aceitável, já que, diz o adágio popular,
não se faz omelete sem quebrar alguns ovos.
Com
o tempo ficamos sabendo que tudo não passou de uma cortina de
fumaça. Tinha sido o prefeito, dono de empreiteira, o cérebro por
trás daquelas criaturas. Tudo fizera para destruir a cidade, com o
propósito de pressionar a população na aprovação de novas e
vultosas verbas para a construção de um novo empreendimento que
atraísse turistas do mundo inteiro para a sua rede de hotéis
temáticos arrendados a preço vil para um conglomerado de mídia
internacional, exatamente o mesmo encarregado de transmitir ao vivo,
através de sua cadeia de televisão, toda a movimentação de tropas
pela libertação da rua de baixo das garras sangrentas e ignóbeis
dos autonomistas prejudicados que atuam em conluio com uma legião de
multifacetados criadores de trovas e quadrinhas.
Em
meio aquela confusão, o alcaide não só embolsou a grana como, pê
da vida, ateou fogo em tudo e foi curtir a boa vida, de braços dados
com Madame (aquele caso perdido que não vale a pena discutir), no
paraíso fiscal conhecido como La House of Nooca, longe e a salvo dos
mosquitos, saúvas e cucarachas.
E
todos – uma fauna e flora exuberantes e com alta taxa de
diversidade – viveriam infelizes para sempre, sem nunca encontrarem
o rumo de casa, não fosse o pessoal de Bacurau chegar a tempo de
impedir que aquela lambança continuasse.
No
apagar das luzes, quando já estávamos prontos para a subida dos
créditos, a comunidade serenamente irritada, de saco mui cheio e com
uma peixeira nos dentes, pegaram o prefeito, sua curriola e cupinchas
dos naipes executivo, legislativo e judiciário, botaram pra pentear
macacos, catar coquinho, chupar pregos até virar tachinhas e foram
aplaudir o pôr do sol porque o amanhã, entre nós, reza a lenda,
fica pra depois e nada é tão urgente que não possa esperar uns
cinco minutinhos.
Notas
(1)
As mesmas que, na ausência de um inimigo externo, faz com que seus
generais, visando manter as tropas em prontidão, insistam na velha e
surrada manobra de inventar um saco de pancada local no qual - tais
cachorros loucos - possam descarregar seu ódio na porção mais
fraca da raça humana. Dizem os mais proeminentes psicanalistas,
tratar-se de uma profunda negação do self, misturado com um alto
teor de vergonha pequeno-burguesa, pelo fato de serem todos filhos da
tia do cafezinho com o motorista do patrão.
(2)
Na tenra idade, talvez anterior ao útero, aprendemos que privilégios
são inatos. Desta forma, certos uns (segundo
a teoria da meritocracia e chancelada
pelo personagem mítico conhecido pela alcunha
de meupapai)
não têm o que temer quando se trata de disputar o filé na
Colina dos Recursos Escassos.
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