Fantasia de Soldado Romano, Nicolaes Maes, 1675
Ele
avisou e nós ficamos naquela… Estávamos todos acostumados a
tratar as coisas na base da galhofa, do deboche. A verdade é que
ninguém acreditava mais na palavra de ninguém. A vida continuaria a
de sempre, não fosse ele falar a vera e ganhar a eleição.
No
primeiro dia de governo, baixou um decreto, terceirizando as forças
armadas. No final do ano, com o maciço investimento da indústria de
armas (nacional e estrangeira), exército, marinha e aeronáutica –
conduzidos com a eficiência da iniciativa privada – apresentaram
índices de desenvolvimento surpreendentes.
A
medida foi tão eficaz que zerou a taxa de desemprego. Os militares
ofereciam agora emprego bem remunerado, em todos os níveis da
hierarquia, para quem quisesse trabalho e aventura. Baseados em
campanhas publicitárias agressivas, apenas os covardes não foram
transformados em fardados. Todo e qualquer cidadão agora tinha a
possibilidade de ostentar uma farda elegantíssima e uma reluzente
Glock .40 na cintura.
Nunca
na história do mundo, viu-se um poderio surgir assim do nada, em tão
pouco tempo. O país transformou-se, da noite pro dia, numa potência
guerreira. E para testar a capacidade de combate fizemos logo a nossa
guerra civil: sul contra o norte. Em meia hora liquidamos a fatura. O
sul dividiu a terra em capitanias, colocou grandes empreiteiras no
comando e foi curtir a vitória com a sensação de dever cumprido e
muito futuro pela frente.
Evidente
que vinha mais coisa por aí. Sabíamos que ele tinha em mente algo
maior, que não pararia por ali. Sonhava alto e parecia que nada o
impediria de colocar a máquina a serviço de um objetivo realmente
digno da nossa vocação de país grande.
A
maioria do empresariado estava com ele… Os grandes bancos, a grande
imprensa, a totalidade do Poder Judiciário, Polícia Federal,
Ministério Público… No Congresso foi barbada aprovar a Nova Lei
Maior - inteiramente redigida por seu vice, um general a serviço da
moral, dos bons costumes e do embranquecimento da raça. Em questão
de dias (parece que já a tinha pronta) nos entregou a mais enxuta e
severa de todas as nossas Constituições.
Mas
e o grande lance? Quando seria dada a ordem? Eram estas as grandes
perguntas percorrendo todos os corredores, becos e ruas sem saída.
Não foi preciso esperar muito, a ordem veio… Para romper com
velhos hábitos, o dia Z chegou.
Invadimos
primeiro os vizinhos com forças mais bem armadas e treinadas.
Depois, fomos avançando um a um até que, finalmente, todos ruíram.
Ninguém conseguiu impedir o banho de sangue e a limpeza étnica que
se seguiu para nunca mais haver fronteiras ou oposições. O
continente fora unificado e toda a riqueza passou a ter um único
dono.
Consolidada
a nova potência militar, a história agora seria outra. O mundo
finalmente nos respeitaria. Foi aí que a Grande Liga Setentrional nos chamou para conversar...
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