Nature morte à la racine et au cordage jaune
Le Corbusier, 1930
Era
uma vez dois países separados por um rio, rápido, largo, perigoso,
no qual muitos se afogavam ao tentar atravessá-lo.
Um
dos países se chamava Felicidade, pois lá leite e mel fluíam das
pedras. O outro, devastado pela preocupação e destroçado por
brigas, era chamado Infelicidade.
Um
dia, um homem, ao observar aquele meio, decidiu fazer algo.
–
Esticarei
uma corda de uma margem à outra. Mesmo que eu morra ao enfrentar os
perigos do rio, não importa. No futuro, outros poderão apanhar a
corda, atravessar o rio com segurança e atingir a Felicidade.
Encontrou
uma corda, amarrou uma das extremidades em uma árvore, agarrou a
outra ponta e mergulhou na correnteza, a lutar contra as ondas.
No
meio da espuma e dos redemoinhos, caçadores confundem-no com um
animal e atiram nele, ferindo-o mortalmente. Num último esforço, o
homem atingiu a outra margem e, pouco antes de morrer, conseguiu
amarrar a corda a uma árvore.
Pessoas
que assistiram seu sacrifício, passaram a reverenciá-lo como um
homem de coragem, dizendo:
–
Ele
morreu para nos salvar, portanto é digno do nosso amor.
E
muitos passaram a render-lhe homenagens mas ninguém seguia seu
exemplo por medo da morte.
–
A
água é fria e o rio tão largo… Grande é o perigo da travessia.
E
no decorrer dos anos, a corda foi esquecida. Coberta de algas e de
galhos, deixou de ser visível.
Porém,
o culto ao herói sobreviveu: o povo construiu monumentos em sua
memória, cantou hinos em sua honra e continuou evocando o seu nome.
Vieram as gerações: a segunda, a terceira, a quarta… Oradores,
cientistas e letrados falavam das virtudes do herói e contavam como
que, morrendo, ele salvara os homens.
Mas
nunca mais se falou da corda jogada por cima do rio. Tinha sido
esquecida.
Os
argumentos, os discursos e os ensinamentos dos sábios acabaram
criando uma grande confusão. Oradores declaravam: Por que esta
disputa? A única coisa necessária é adorar o herói e acreditar
que ele morreu para nos salvar. Quando morrermos, entraremos sem
dificuldades no país da felicidade. Se o nosso corpo nos proíbe,
por enquanto, a travessia do rio, após a morte a nossa alma voará
para o outro lado. O amor, a potência e a coragem do herói foram
tão grandes que tudo o que pedirmos ao seu espírito ele nos
concederá.
E
o povo, ao ouvir isto sentiu uma alegria imensa e cobriu de honrarias
os oradores.
–
Grande
é a vossa sabedoria, disseram as pessoas, vocês nos mostram um
caminho fácil. É simples: adorar, rezar e solicitar ao nosso herói
a salvação na hora da nossa morte. Agora, comamos, bebamos, sejamos
alegres e aproveitemos da melhor maneira a nossa estada no lugar onde
estamos.
Enquanto
isso o espírito do herói contemplava o povo com tristeza, escutando
as suas orações e súplicas. Todos haviam esquecido o principal: a
ligação que havia entre um país e outro.
É
que aquele povo perdera a chave que lhes permitiria compreender o
gesto do herói. Estavam por demais acostumados a usar os olhos da
carne em vez de buscarem enxergar com os olhos da alma. Ainda surdos,
não conseguiam ouvir a voz do herói a clamar:
–
A
corda… A corda… A corda…
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