sábado, 11 de maio de 2019

almoço de sábado



Naked Lunch, Robert Del Naja, 1994


a repórter tem compulsão pela palavra
e ao discursar na tv
demonstra que é menos saudável que eu
que me empanturro de carboidratos
nesse almoço de sábado

e os rapazes ruidosos
sentados ao lado
orgulhosos das logomarcas estampadas nas costas
exibem felicidade
talvez se sintam craques de futebol
ou pilotos da fórmula um...
(para alívio geral
- embora minha cara denuncie -
é bom que não façam ideia do que penso)

ao devorar um bocado
me chama atenção
o fato de precisarmos fazer esforço
para compreender o vizinho
parado nesta falsa falha
surge o dono da casa
disposto a animar a feiju:
muda o canal
e nos entrega à lábia de ancião transviado e brega
e moleque ri das cócegas
que a suposta virgem faz nos nossos ouvidos

ora
para quem este individuo pensa que canta/fala?
não existe dissimulação no mundo
capaz de esconder tanta bestagem
que dirá do seu timbre imprudente de donzela

tomo um último gole de cerveja
engulo um último naco de carne
e não vejo alternativa senão sair
certo de que é preciso devolver aos esgotos
os ratos que se refastelam
sedutores
no colo das garotas
cegas de paixão
antes que a sofrência
(em nome da conciliação de classes)
atinga o rock’n’roll




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