Death of the Capitalist, Diego Rivera, 1928
A
pergunta do repórter
é sobre medo. “Temo ladrões. Não será com rezas e velas que nos
livraremos deles. Ladrões não respeitam um dos pilares da nossa
sociedade, a propriedade privada. Você pode até falar que é
diatribe falar contra a miséria da cobiça. Mas pensa, se todos que
me invejam trabalhassem, esse seria o melhor país do mundo”.
“Qual
a saída?… Trago a solução definitiva: a efetivação de uma
milícia que atue nas falhas da justiça, que limpe a cidade, que
devolva ao homem de bem o controle da vida”.
Por
que todo fela adora cair em reminiscências, pensa o fotografo: “Que
saudade da pracinha, do parque de diversão, das cadeiras na calçada,
do footing
das meninas, da fonte luminosa... Ai, que saudade do tempo em que era
possível todas as inocências…”
Tomado
de melancolia, deixa-se levar pela emoção e suspira pela perda de
algo que ainda não perdeu, uma antecipação da saudade pelo
eventual sumiço de um móvel ou utensílio da sua casa num
condomínio de luxo classe média, comprado com o suor do seu rosto,
como gosta de frisar. E pondera, com o olhar petrificado nas coisas,
enquanto reúne material para novos argumentos, o quanto teve que
ralar, fazer das tripas coração para se motivar a ser melhor que
suas próprias expectativas.
Um
fela do bem. Um cuidador da família, que não deve nada a ninguém.
Um autossuficiente. Isso é o que ele é. Com suas mãos ferramentas;
seus olhos esquadro; seu instinto formão…Um triângulo
decididamente circular. “Fui educador para dar valor ao trabalho”.
Sabedor
de que haverá discordâncias, responde prontamente: “Por que daria
mole para vagabundo? Ladrão é ladrão, não importa o que roubou,
para que roubou, porque roubou... tem que pagar com juros e correção
monetária. Todo aquele que, movido pela inveja, fira a propriedade
privada, não pode se queixar das porradas e, eventualmente, do
esquadrão da morte.
E
continua como se o jornalista insistisse: “A lei existe para ser
respeitada. A lei existe para que os felas do bem continuem
repousando suas cabeças cansadas em travesseiros macios. É a vida.
Assim é que tem que ser. E tem mais: associados a ladrões,
sobrevive a nobre raça dos políticos, esta outra categoria de
parasitas que destrói a energia produtiva de qualquer nação. Na
guerra contra todos esses escroques não haverá trégua”.
O
leitor quer saber como juntou seu primeiro milhão, interrompe o
entrevistador. “Simples… a partir de dribles, fintas... porque a
vida é que nem partida de futebol: só se deve tomar cuidado com a
linha do impedimento. No resto tudo é possível. Até fingir… No
entanto, roubar jamais… Digo que é preciso cuidar da segurança
antes que a barbárie nos apanhe. A vigilância é o preço da
liberdade sob pena da vacca
vadit ad paludem…” E
ri, da própria piada, como se tivesse contado uma piada.
Ali
mesmo assevera que está com tudo pronto para apresentar ao mundo a
primeira milícia legal, com todos os direito e encargos de uma
empresa privada que se digne do nome. Não nascera para entrar com a
carne enquanto outros aparecem apenas com o espeto. Falta apenas
alguns ajustes para que a fortaleza possa ser usada como
quartel-general do seu exército particular. “É o bom e velho
dinheiro dando emprego a quem merece, porque existe muita gente que
ainda quer trabalhar e mais, porque esta é a indústria que mais
cresce em nosso país”.
Para
comemorar a empreitada, toma dois ou três goles champanhe, dá
muitos tapinhas das costas e saracoteia entre quase um milhar de
convidados. Antes de sair, tem tempo para mostrar alguns dos mais
sofisticados equipamentos no combate ao crime e apresentar alguns dos
principais membros da sua equipe de inteligência com agentes
infiltrados nos quatro cantos da cidade.
Acontece
que é da natureza humana, em culturas que endeusam a posse,
desejar o que se vê pela frente, ainda mais se do objeto de desejo
recomenda-se distância, estando tão próximo. Mas também sabemos
que é preciso ser forte, nunca deixar-se cair em tentação.
O
ser humano é frágil e falho. Planeja, planeja e anda sempre a
esquecer de muita coisa. E sendo o sistema uma criação humana, uma
hora o negócio começa a falhar… Quando se pensa que não, a
guarda já foi baixada deixando à mostra inúmeras fissuras, brechas
no processo, lacunas na lógica… Às vezes se presume segura uma
coisa, uma fortuna, por exemplo – toda ela empenhada em papéis,
obras de arte, pedras e metais preciosos, bem guardados em cofres
fortes, longe do alcance de mãos e olhos. Porém, em tempos da alta
rotatividade das finanças globais, tal qual uma teenager
fissurada
(cujo pai se sabe belamente impune) a fortuna é volúvel, volátil e
descuidada… Acaba sempre, justamente, naquela margem do rio onde a
onça costuma beber água. E quando a serpente sente o cheiro da
tenra presa, não existe cartório que impeça os concorrentes de
passarem a língua pelos dentes.
Trancado,
tranca-se ainda mais e não tarda a alimentar a voraz ideia de que
virá em boa hora um apocalipse. É o que deixa transparecer quando
outras milicias começam a lhe bater na porta. Começa a apostar suas
fichas no tipo de desdobramento histórico cataclismático ao
ligar-se àqueles que divulgam, às vezes de muita boa vontade, os
indícios do fim do mundo. Não poupa recursos na conclamação a que
todos se arrependam dos mal feitos e entreguem suas almas na
congregação mais próxima.
Ao
decidir, segundo o noticiário televisivo das dez, viver recluso,
aprisionado no quarto do pânico (metro e meio de titânio reforçado)
é mais que suficiente para que a sua própria milícia (agora
transformada numa mercadoria altamente rentável e conseguir a adesão
da mídia sequiosa de verdades do tipo daquelas que não atrapalham
os negócios e, principalmente, baseada em documentos,
milimetricamente forjados, a base de pressão bem aplicada em pontos
fracos de pessoas chaves) tome conta do império.
A
Lei de Talião transforma-se no novo ordenamento jurídico.
Ultrapassa-se o limite do privado legando ao público, ávido por
desforras, algumas casquinhas. Também foi jogo rápido. Logo após
uma guerra de milícia patrocinada por grandes petroleiras, em nome
da moral e dos bons costumes, toda aquela esbórnia acaba indo para o
brejo. E a merda se faz carne. Ao fim, sobrados poucos braços no
outrora próspero exercito de reserva é urgente tocar o negócio.
Eis que as velhas ideias, após uma toalete completa, transformam-se
em novidade. É quando outro fela do bem surgem com a brilhante
solução: apelar para os ladrões de galinha, os pés de chinelo…
mas, infelizmente é tarde demais… Ladrão de galinha não mais há.
Sobrara apenas celebridades.
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