Container Zero, Jean-Pierre Raynaud, 1988
o
bardo imortal
que não tinha papas na língua
cravou
existem
mais coisas
entre o céu e a terra
do
que possa supor qualquer filosofia
o
redator do eclesiastes
por seu turno
lança
sobre nossas cabeças
o
vazio da vaidade
e
fala assim apenas pra reforçar seu ponto:
contra o destino não existe rebuliço
que dê jeito
é
preciso confiar na verdade divina
escrita
em linhas
tantas
vezes
tortas
a
jovem inquieta ciência
vive
a criar modelos lógicos
lindos
abrangentes
que
satisfaçam nossa curiosa necessidade
de
entender a lacuna
mas
sempre nos deixa à espera
de
que a linha que demarca a impossibilidade do pensar
seja avançada
e
permita o surgimento de novos e elegantes modelos
que nos lance adiante
do
instante
que
bem pode terminar
antes
de começar
e
a arte, ah a doce e problemática arte
a
que mais enxerga
mas
pouco ou nada vê
a
não ser sua irrestrita liberdade
de
penetrar mais fundo
no
labirinto
das
nossas dúvidas abissais
e encarar essa condição trágica
com um sorriso de compaixão
e
já que nada é definitivo
a
religião
essa esperta
que bem sabe que nesse buraco
cabe qualquer resposta
tantas quantas forem humanamente
impossíveis
não
deixa barato
e se esmera em lançar sob outras
capas
a mesma estapafúrdia doutrina
a fé
de que o delírio é o melhor
conselheiro
fico
a separar alhos de bugalhos
e
molho os pés o menos possível nas águas da presunção
prefiro meu instante zero
e amigavelmente
procuro jamais fazer aos outros
aquilo que não desejo nem quero para
mim
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