Ilustração de KPG Ivary
Nunca
dá para prever quando Carlos Rigot irá aparecer. Mas que trará
consigo um comentário, uma história, um dilema… às vezes uma
pegadinha, isso posso ter certeza. E eu, que nunca o aguardo, sou
sempre surpreendido com suas revelações.
Rigot
é aquele mestre que não é… Dele, penso não possuir qualquer
intenção que não seja me surpreender. Assim, cada encontro com
essa figura é uma experiência a ser vivida com e em todos os
sentidos.
Não
foi diferente, naquele terça, 15:30 de uma tarde nublada, na
esquina, um quarteirão antes da minha casa…
Senti
uma mão segurar meu braço direito e, envolvido por uma enxurrada de
palavras, fui obrigado a realizar um esforço para começar a
registrar aquele relato que, ao reproduzí-lo aqui o faço a partir
do momento em que consegui isolá-lo do restante do mundo e passei a
unicamente escutá-lo.
…
Após me
servir, olhei
para a mesa costumeira, ao lado do refrigerador: estava vaga.
Melhor
lugar do restaurante, longe dos aparelhos de televisão que, naquela
hora, todos os dias, estavam sintonizados no canal de sempre.
Verdade
que ninguém prestava atenção, preocupados em devorar a comida e
voltar logo pro trabalho.
Mesmo
sabendo disto,
o dono do boteco, não sei por
qual razão, insiste em manter
tal inutilidade, num mundo
repleto de celulares. Talvez
ele saiba que pode fazer diferente mas, não está disposto a pagar o
preço… prefere agarrar-se ao fácil, seguro e rotineiro – é
bem mais barato.
…
Após me
servir, olhei e vi
que a mesa costumeira estava vaga, corri
para o
meu
canto. Ali,
pelo menos,
ficava a salvo do som e,
principalmente, das imagens que saíam
daquelas
duas máquina de fazer doidos.
Porém,
naquele meio dia, à minha
frente, na mesa adiante, alguém falava ao celular num
tom acima do tolerável.
Baixei
a cabeça, comecei
a comer tentando esquecer
daquela demonstração de incivilidade.
Mas o som da voz daquele estranho começou a penetrar
no meu cérebro e aquilo
me irritou.
Fiz
sinal ao vizinho... apontei o
dedo indicador para o ouvido direito.
O
sujeito nem aí e até aumentou a voz mencionando qualquer coisa
relativa a polícia federal… foi o que ouvi.
Olhei
fixo para o inconveniente
e insisti: amigo, não
preciso ouvir a sua conversa.
Quê?
Zangou-se o outro. Então pare de escutar.
Não
desejo ser convidado para tua festa...
Otário,
foi
a resposta dele. Levantou-se
e foi
na direção do caixa.
Abaixei
a vista e encarei
a salada - estava gostosa… saudável,
fresquinha… e ao levar um bocado
de cenoura à boca, ouvi ao
pé do ouvido, novamente a voz desagrádavel do desconhecido,
replicando a palavra
otário.
Não
vacilei:
acertei
a jugular do indivíduo com o
garfo e, ato contínuo,
apliquei-lhe
um chute bem colocado
nas caixas dos peitos. O
bicho despencou dois degraus e acabou estatelado na calçada
enquanto me ouvia gritar:
está bem assim, cidadão de bem, está bem assim?
-
Você fez isso, mesmo?
-
Não. Claro que não. Se eu tivesse feito, sentiria o gosto da
vingança apenas uma
única vez. No entanto, o fato
de não ter cedido ao impulso
me permite elaborar,
a cada lembrança do fato, uma nova forma de acabar
com aquela
coisinha ordinária fantasiado de pequeno burguês bem sucedido...
e as
possibilidades são infinitas.
Convidei-o
para tomar um café. Ele disse que não, largou
do meu braço e perdeu-se em
meio aos passantes.
Excelente conto na minha leitura eu faria ao invés do chute na caixa dos peitos, um chute nos países baixo mesmo....
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