Sailor at Breakfast, Diego Rivera, 1914
Circunstâncias
me obrigam a almoçar em boteco. Todo santo dia, lá me vou em busca
de um bom comercial, numa das inúmeras bodegas que pululam na minha
rua, mesmo sabendo que terei que engolir um acompanhamento bastante
desagradável: a televisão ligada - em geral, naquele canal que não
gosto de pronunciar o nome. Hoje não foi diferente. Quer dizer, foi.
Fui tomado por estranha, irresistível e inexplicável necessidade de
me sentar diante de uma tela de plasma.
À
primeira garfada, me chamou atenção um quadro no qual uma especialista em mercado de trabalho (ou mais precisamente, em
desemprego) respondia perguntas de pessoas devidamente selecionadas
justamente por se encontrarem (a bastante tempo) na incômoda
situação de ter que procurar sarna pra se coçar, ups… trabalho.
E,
a cada um, a profissional convidada dedicou assertivas que me fizeram
crer que o problema do desemprego é de responsabilidade única e
exclusivamente do indivíduo desempregado. Foram conselhos do tipo
“aceite redução de salário”; “conte com a tua rede de
amigos”; “elabore um currículo atraente, detalhe cada
experiência”; “considere contratar um coaching”…
que não
deixaram dúvida quanto a
ausência de responsabilidade dos governos
e dos
empresários. Deste modo, na sua abalizada opinião (e
certamente na da apresentadora e da emissora que a emprega), só fica
desempregado quem quer. E esta foi a mensagem do programa que foi encerrado ao som de um vetusto cantor de iê-iê-iê romântico,
renascido das cinzas para abrilhantar aquele final de manhã assombrosamente friorenta com queda sistemática de energia (a conta
não falha nunca!).
Junto
aos meus botões, que insistem em pensar na nossa elite maligna e
mesquinha, me vem à mente aquele personagem classe-média que beija
o chicote que o açoita por preguiça, ignorância, medo, masoquismo
ou (mais provável) pura má-fé. Quase engasgo com um bocado de purê
com um pouco de um suposto molho de camarão.
E
ao abocanhar o último pedaço do filé de peixe empanado, lembrei
de uma matéria recente num informativo online na qual o articulista,
numa constatação apocalíptica, menciona que os dois grandes
agentes responsáveis pela educação popular no Brasil, são as
igrejas evangélicas e a televisão. E dado o estrago já causado,
qualquer esforço para reverter este quadro resultará inútil.
Paguei
a conta e saí com o compromisso de revirar os programas de todos
candidatos a alguma coisa nas próximas eleições só pra sentir o
que os nossos futuros representantes têm a dizer sobre o assunto.
Não que a opinião deles vá mudar alguma coisa. Não vai. Cogitei,
num gesto de desespero, procurar então candidatos que defendesse a
seguinte plataforma: se tudo é iniciativa individual, se não existe
resposta coletiva às nossas mazelas, entreguemos de vez o governo
das coisas à alguma empresa privada e vamos todos em busca de
especialistas que possam dar um upgrade nas nossas vidas.
No
caminho de volta pra casa, percebi o quanto sou tardo. Isto já
acontece bem diante dos nossos olhos e barbas. As grandes empresas,
religiosas ou não, já trazem tudo dominado. E, de acordo com o
melhor modelo de gestão, importado diretamente dos grandes centros
de decisão, o voto deve ser facultativo e a única censura deve ser
a do controle remoto. Afinal, toda boa empresa que se preze, oferece
exatamente o que o mercado consumidor necessita: um governo
qualificado, governo dos melhores, governo de notáveis,
absolutamente vacinado contra
a corrupção, a mentira e a falsidade.
A
requalificadora no programa matinal que o
diga.
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