La Musa Metafisica, Carlos Carra, 1917
No meu tempo de menino,
Conheci uma garota que vivia isolada
Diziam dela, os colegas
Que morava numa casa
Malassombrada.
Duvidei. Virei chegado
Amigo de braço dado…
Um dia pedi pra dormir por lá.
Quem disse que ela estranhou?
Não senhor, falou que tudo bem
Que andava mal de aritmética
Que se eu era bom em matemática
Devia ajudá-la com a difícil
tabuada.
A mãe dela concordou
E ajeitou um colchão no meio da sala
Botou lençol branco e cheiroso
Travesseiro macio e gostoso
E ao me dar um cheiro de boa noite
Sussurrou no meu ouvido: bem vindo...
Encafifado, de madrugada, num
sobressalto
Empapado de suor, de repente acordei
Senti, enroscada no dedão do meu pé
Uma coisa gosmenta, gelada e macia
Pensei cá comigo sem saber donde
vinha
Aquele pensamento que me dizia: é um
jacaré
E num lance brusco, a imaginar um
terrível dragão,
Puxei minha perna no instante mesmo
que levantava
Mas aí senti que aparava um trem
quente no meu pulso
E tremendo, convulso, ouvi o chiado de
fritura
E no meio de tanta paúra cogitei de
me borrar
Mas, segurei o pleito, optei por me
exilar
Daquele sítio medonho
Sem saber se era real ou sonho
O que me levava a gritar
Mas não saía nenhum som, nenhum
gemido
E em meio ao sufoco, bateu a sensação
de perdido
Foi aí que me lembrei de um velho e
bom conselho:
Em se tratando de coisa do outro mundo
Não há erro mais rotundo que ficar
parado, sem ar
Para obter sossego, não se deve ser
pelego na hora de respirar
Foi quando olhei de banda e vi aberta
a janela
Certeiro, de um salto, dei um mergulho
Que até hoje tenho orgulho
De ter escapado daquela senhora mazela
Dez quadras longe de lá e sem muito
bafafá
Notei que me ardia a ferida em forma
de quadrado
E o que me deixou mais melindrado
Era que a pele derretia, como se,
escondido
Um corrosivo beijo, me houvesse
premiado
No dia seguinte, na entrada da escola
Minha amiga, pasma, veio me perguntar
– Que aconteceu contigo ontem à
noite
Por acaso viste um fantasma?
Contei-lhe o ocorrido sem omissão
Ela riu de mim com doçura na
expressão
Disse que eu tinha me assustado
Com um daqueles aparelhos de matar
mosquito
E que o coitado tava lá agora,
todo rebentado
Tudo por causa do meu faniquito
Verdade ou mentira
Compreendi que naquela casa
Tudo era brasa, ardido que nem pimenta
É que lá, os seus segredos
Só acontece de conhecer
Quem deveras a frequenta
E olhe que tem mistério
Naquele casa afastada
Mas nada que se compare
Aos olhos da minha amada
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