The Abyss of Uncertainty, Carlos Fernández Chicote, 2013
não
dá pra confiar
em
quem nunca se apaixonou pela tia
ou pelo professor
ou por aquele amigo
que se sonhava parecer
e não tinha medo de imitar
porque era bacana ser benquisto
não
dá pra confiar
em
quem nunca desabou de porre
numa praça abandonada
e acordou de manhã
caminhando no sentido contrário
descalço
em meio ao tráfego
botando fé de que encontraria
na próxima esquina
o amor da sua vida
não
dá pra confiar
em
quem detesta dobradinha
ou só come do biscoito o recheio
ou que nunca viajou de carona
ou que nunca tenha percorrido
os labirintos do memória
apenas para dar uma espiadinha no
vazio
e encontrar
pródiga de lacunas e ausências
a irredutibilidade do agora
não
dá pra confiar
em
quem não se importa com isso
e ainda futuca os erros
como se os defeitos
as falhas
as imperfeições fossem a essência
e não circunstância
derivada da incerteza
que orienta e guia
a nossa frágil
existência
não
dá pra confiar
em
quem não está nem aí pra história
ou considere a ficção uma lorota
e assim busque uma desculpa
para transitar na língua à vau
e acabe por esquecer de cometer poemas
ou de chorar um rio
diante dos desencantos de amor
porque,
meu velho,
se
desaforo não se leva pra casa
não
dá pra confiar
naquele
que nunca pisou na grama
ou
se colocou em defesa da flor
e
da liberdade de voltar pra casa
com
a alma perfumada
a
distribuir abraços
em
meio a uma tempestade de impropérios
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