Google Imagens, tratada por Silvio Nunes
bota
as cartas na mesa: - ele
não mudará...
…
continuará levantando às cinco,
levando o filho à escola e chegando sempre quinze minutos adiantados
na sua estação de trabalho.
…
continuará tomando seu cafezinho,
trocando meia duzia de palavras com seus vizinhos de baia...
produzirá relatórios, participará de reuniões e ouvirá do chefe
severas recomendações para que cumpra as metas senão já sabe, né.
…
continuará sentido a pressão,
engolindo seco e perguntando-se pra que metas, pra quê, se o que
vive é uma eterna emergência… pra que planejar, gastar horas a
fio produzindo cálculos, elaborando planilhas, cronograma se se
passa todas as jornadas resolvendo pepinos e criando outros.
…
mesmo tendo pensamentos fora da curva,
não mudará porque continuará almoçando em míseros sete minutos,
tempo suficiente para empurrar os bocados goela abaixo sob goles
nervosos de refrigerante com 5,1% de suco natural da fruta, ele que
acredita em tudo que a propaganda e a mídia diz.
…
e sairá depois da hora, hoje, amanhã,
sempre e apesar de não ter pela sogra nenhuma estima, sabe que sem
ela para pegar a criança na escola a vida seria um inferno, afinal a
a patroa age igualzinho a ele… aliás os dois fazem bem estarem
casados, tamanha identidade de propósitos e nenhuma vocação para
serem felizes.
…
e olhará para o tablet com a
esperança de algum contentamento em páginas pornôs mas o sexo e a
culpa o fará pensar no filho… sabe que mesmo que ligue para a
criança pedindo desculpas, no final irá perguntar qual joguinho o
filhão quer que o papai leve de noite para casa… sabe que o mino
não evitará rancores pelas inúmeras ausências e incapacidade de
ser pai.
…
porque sente-se culpado por ter
vendido a alma por um preço muito além do que realmente vale… ele
que não vale o que ganha, não vale, sabe que não vale e o pior é
que não consegue dar finalidade ao dinheiro porque simplesmente não
tem tempo para pensar no que fazer com todo aquele dinheiro que ganha
a mais… então, poupa, poupa para talvez, no futuro comprar…
comprar… comprar qualquer coisa… dar um carro do ano para o
filho, mandá-lo pra melhor faculdade estrangeira… dar voltas ao
mundo… viajar… ir para a puta que o pariu, para a porra de
qualquer lugar… chegar pro agente de viagem e dizer: me vê aí uma
passagem para paris que eu estou afim de comer um croissant de
merda na beirada daquela bosta do rio sena.
…
não ele, filho de ninguém que chegou
onde chegou graças a luta da mãe ignorante, malamada, desprezada,
maltratada, fudida e mal paga, que teve que fazer das tripas coração
pra dar-lhe de comer, vesti-lo, aguentar seus calundus, suas
manhas, seus desejos idiotas, suas lambanças… fazendo todos os
seus gostos e depois se culpando pela merda de vida que não soube
viver.
…
não mudará porque a realidadezinha
que o diabo criou para ele é a cópia cuspida e escarrada do paraíso
que sua mãe sonhou… pena que ela não tenha aguentado o tranco e
morrido antes de ver o que ele conseguiu… de ver o que ele ainda
pode conseguir, mais adiante, se continuar engolindo seco e
disfarçando como faz todo santo dia.
…
porque sente-se parte de uma maioria…
sente-se como um dente de uma engrenagem… sabe que iguais a ele
existem milhões e todo dia milhares são fabricados e jogados nesses
mundinhos particulares, onde trabalharão, terão filhos, ganharão
mais que precisam, não saberão bem o que fazer com a riqueza que
possuem, temerão o mundo em volta, gastarão por impulso,
acumularão, acumularão e se esvairão num imenso poço de nada, mau
hálito e canceres, onde nem a mais ácida das drogas conseguirá
livrar a cara do sujeito… pelo contrário, tudo parece aguçar o
sentimento de inutilidade, de coisa nenhuma… tudo contribui para
potencializar o desejo de sair atirando por aí com uma arma letal, a
mais letal que o dinheiro possa comprar… mas, como é um merda, o
cocô do cavalo manco do bandido escroto, vai deixando por isso mesmo
e dando esporro na empregada, no rapaz do almoxarifado, na moça do
supermercado… censurando e punindo o diferente, o gay, a feminista,
o gordo, o feio, o miserável que pede esmola no farol, a puta preta e
pobre que faz ponto naquela praça onde sonha um dia plantar uma
estátua sua comendo a bunda de uma estrela de cinema… como mudar
tudo isso?… essa doença… como curar?… como tolerar essa sombra
que cobriu a casa, senão pelo prazer de cometer atrocidades com o
homem de bem que ele ostenta toda manhã quando ao entrar e sair do
escritório?
Nenhum comentário:
Postar um comentário