sábado, 25 de novembro de 2017

a cidade em minhas mãos


City, Rene Portocarrero, 1954



ao Paulo Renault,
poeta que me mostrou a cidade



um dia acordei
em uma cidade estranha
uma cidade diversa
daquela inocente que eu trazia na memória

cidade-casulo rompida antes da hora
pseudo borboleta
perdida nos descaminhos
do descuido
do desleixo
do alheamento
da deslembrança...

e ao percorrer a geografia dessa desmemória
descobri o limite da minha cidade-mente
miúda e frágil
sitiada por tantos desejos gastos
amontoada entre as coisas sem conserto
a progredir em ausência e morte

e não tive escolha senão recolher os teus pedaços
e no meu peito
e nas minhas lágrimas perfumadas
recompor tua semente em frangalhos

ah, cidade-síntese
outra vez nascida em mim
cidade-alma
sentido recuperado do poema
canção revivida que habita meu coração

se me aflige beber teu mel
misturado ao fel fabricado pelo equivoco humano
preciso que resistas em mim
te imploro
sustenta em mim
e que te salve os meus mais doces pensamentos

ah, cidade-espelho
trago-te nas minhas pequenas e celejadas mãos
a contemplar teus baixios e tuas alturas
e teu histórico de maus tratos
em busca que cesse em mim
a vertigem dos tolos e a descaso dos ingratos

e se floresço no teu reflexo
é que o meu alento foi alimentado
não pela vaidade
mas pelo singelo desejo de passear descalço
por tuas ruas futuras
antes que seja tarde
e a jornada castigue
implacável
meus pés adultos e cansados


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