The Flying Bed, Frida Kahlo, 1932
Três
lugares que não gosto de entrar: delegacia, hospital e repartição
pública. Devo ter entrado umas duas vezes numa delegacia por motivos
que fugiam totalmente ao meu controle. E justamente por motivos que
fogem ao nosso controle entramos num hospital. Já numa repartição
pública, em geral, perdemos o controle.
Na
semana retrasada levei minha mãe a um pronto socorro:
Insuficiência
respiratória e cansaço extremo a torturavam. Descobriram tratar-se
de coisa grave, com consequências nada promissoras para os sistemas
pulmonar, renal e cardíaco.
Decidiu-se
por internação imediata e lá fui eu, compulsoriamente,
internar-me numa poltrona ao lado do leito, por duas semanas,
dormindo não mais de quatro horas por noite - com sorte.
E
não é que, entre uma voltinha e outra para arejar a cabeça, senti
falta de algo. Algo que não vejo há muito tempo. Bem, não faz
tanto tempo assim, se levarmos em conta o nosso curto tempo de vida.
Falo
de um item obrigatório em toda e qualquer parede de hospital uma
foto (ou seria gravura?) de uma enfermeira com o dedo indicador sobre
os lábios a nos solicitar silêncio, nos informando tratar-se ali de
um local de circunspecção.
É
certo que hospitais surgiram do esforço de comunidades religiosas e
foram durante muito tempo administrados por religiosos. Daí surgir,
certamente, aquela reverência diante da dor e da morte exigida pela
moça de branco.
Porém,
com a mercantilização da medicina, a piedade e a misericórdia saíram de fininho. E na mercantilização da vida, administrada por
uma burocracia insensivelmente desumana, a reverência cedeu lugar a
informalidade do banal.
Dessacralizar
o exercício da medicina, levar o paciente a sentir-se em casa, ajuda
na recuperação, lembram-me. E logo em seguida constato que o tom de
voz nas dependências de um hospital está alguns decibéis mais
alta.
Não
raro, vemos em salas de visitas, televisores com volumes altíssimos,
em programas policiais, novelas e antessala dalguma celebridade,
enquanto pacientes, enfermeiros, auxiliares, pessoal da limpeza,
vigilantes, administrativos, residentes, etc., etc., trocam
impressões como se estivessem num botequim. Nos supermercados somos
muito mais reverentes.
Dirão
que exagero… Que cada povo deve buscar afirmar-se em seus próprios
valores, atitudes e ideais e justamente por sermos o país do
carnaval e do futebol, somos assim expansivos, inquietos e
exuberantes… Concordo plenamente. Mas por quanto tempo ainda
preferimos tagarelar ao invés de praticarmos o sábio exercício da introspecção? E aí, olho pra mim e vejo o quanto sou impulsivo, o
quanto me assusta o que não sei, o quanto me apavora e exaspera
aquilo que não é igual.
De
qualquer modo, registro aqui que o atendimento excedeu as minhas
expectativas em se tratando de um hospital público. Sinto-me
agradecido e dou vivas as nossas melhores qualidades e aos
profissionais que as exercitam. Contudo, não posso deixar de
mencionar aquela pequena autoridade que nos recebe na entrada com um
angustiante “na onde o senhor vai?”
Em
momentos como esse fico dividido: Somos um caso de polícia, uma
questão de saúde pública ou apenas um erro de concordância?
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