Piéta, Bernard Buffet, 1948
No
ano de 2050, os padres passaram a controlar todo o mercado negro dos
costumes. Sexo, drogas, armas… Todos os vícios e pecados
finalmente encontraram a legalidade através da Igreja. “Foi a
maneira encontrada para conter a bestialidade humana”, disse o
porta-voz da Santa Cúpula, em entrevista recente.
Ao
assumir a tutela dessa economia, a Igreja extinguiu a violência
entre os indivíduos e garantiu para si o monopólio da crueldade. Com
isso, o assassinato teve sua prática ritualizada e ninguém mais
precisaria desafiar a lei para conseguir um baseado, uma carreira de
cocaína ou uma AK47: bastava passar no confessionário mais
próximo e fazer sua solicitação. O clérigo de plantão lhe aviaria uma receita devidamente autenticada. Sexo gostoso? Apresente-se num dos muitos
mosteiros, pague a taxa regular, submeta-se a alguns exames médicos
e a um intensivo de preliminares que uma noviça ou noviço se
colocará à sua disposição. Taras? Esse serviço especial, cheio
de novidades, possui um extenso cardápio que contempla desde
canibalismo até zoofilia. Quem passar dos limites é castigado e
pronto.
Mas,
o que significa agora passar dos limites? Se o
indivíduo pode tudo (desde que pague é claro) e conta com uma
organização milenar capaz de satisfazer todo e qualquer desejo, o
que configura uma transgressão? Aqui entra o arbítrio do
controlador. O eclesiástico ao abençoar sua perversão, o
faz conclamando-o a se manter dentro de certos parâmetros. Isto é,
você pode ser ateu, iconoclasta, professar outras fés ou até mesmo
adorar o demo, porém, nunca, jamais, em hipótese alguma,
menospreze, deprecie, macule, zombe ou destrua símbolos religiosos.
De tal infração não cabe recurso: é morte certa, longa e
dolorosamente, como só o Igreja se autoriza fazer.
...
Às
16:18 do junho 17 de 2052, Maciel, após semanas procurando uma
maneira de chegar junto, finalmente encontrou uma brecha para
aproximar-se da moça. Nenhum conhecido por perto… Um carro lá no
fim da rua, todas as janelas fechadas naquele entardecer calorento…
Se até as câmeras pareciam focadas em outros ângulos, ele, não sem
alguma timidez, finalmente, enxergou a possibilidade de afogar o
ganso.
–
Posso ver a licença?
Era
importante. A prova de que a prestadora
de serviço havia sido aprovada pela Santa Vigilância
Sanitária para exercer a atividade autonomamente. A moça abriu a
bolsa e quase esfregou na cara dele a carteirinha devidamente
autenticada pela Diocese. Após as consultas de praxe sobre preço,
local e duração, pigarreou e quis saber se havia espaço para algo,
digamos, diferenciado.
-
Depende, arregalou a moça o seu olho esquerdo. - Se estás pensando
em estacionar seu carrinho na garagem dos fundos pode tirar seu
periquito do poleiro. Sou uma profissional juramentada, transo apenas
para fins de procriação. Essa é a minha obra.
“Tem
mérito”. Não era nenhuma porra louca, se via. Sentiu que faria um
sexo seguro e produtivo. Mas não era tudo. Havia aquilo… o danado
do algo mais. Como explicar à moça?
-
Faço um boquete que é uma beleza. Mas, aviso que não engulo,
recolho para depósito no banco de sêmen da paróquia… Em troca
você tem direito a um cupom de desconto.
-
Claro.
-
Então… Vamos fazer neném?
-
Só uma coisinha…
-
O sexímetro está ligado…
-
Não quero propriamente algo convencional…
-
Não tenho nenhum problema em lhe bater uma com os pés, com os peitos ou com a língua… Se desejar, deixo gozar no meu orifício auditivo...
"Pobrezinha, tão contraditória", pensou buscando coragem para se expressar. - Tudo bem... Quero que você me bata uma, aconchegada no meu colo,
enquanto chupa meu peitinho e eu enfio o dedo no seu… Você sabe.
-
Pera aí, tinha esquecido que esse negócio de masturbação tem lá suas especificidades... Preciso consultar o vigário online…
- Não. Esquece…
E
desapareceu. Pelo resto da vida continuou seu sexo seguro consigo
mesmo, visualizando a Piéta e
suando bicas de pavor de ser flagrado pela vigilância.
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