The Wheel of Life, Stanley Pinker, 1974
A
Onça sonhava em ser estrela de Hollywood. Mas como morava na
Cochinchina, pediu dinheiro emprestado a uma tia, comprou uma lona e
montou um circo.
No
dia seguinte contratou um Domador de Pulgas, três Girafas
Bailarinas, quatro Besouros Palhaços, cinco Araras Malabaristas,
seis Jiboias Equilibristas, sete Macacos Trapezistas e saiu pelo
mundo fazendo graça. Mas o seu grande trunfo, aquilo que chamava
mesmo atenção, era o número final do espetáculo: uma peça
teatral, escrita, dirigida e protagonizada por ela. E para alcançar
o sucesso, a Onça desenvolvera uma engenhosa estratégia. Em cada
localidade que chegava, botava seu bloco na rua à procura do assunto
mais comentado. A partir daí, criava um roteiro, trocava os nomes,
acrescentava alguns quiproquós, enfiava meia dúzia de piadas e zás…
Não tinha erro: casa cheira todo dia.
Tinha
mesmo talento pra coisa, a Onça. O que ninguém sabia era que ela se
valia de uma arma secreta. Para não depender apenas da equipe,
mantinha escondido no seu trailer um sistema de escuta, inventado por
ela a partir de apostilas de um curso de eletrônica por
correspondência. Esse equipamento lhe permitia ouvir até
pensamentos. Era só apontar a antena na direção do alvo para ouvir
até as batidas do coração da pessoa, estivesse onde estivesse.
Desta forma, a Onça conseguia ouvir tudo que não se costumam falar
na presença de estranhos e também aquilo que nem às paredes se tem
coragem de confessar. Desse modo, não existia segredo para a Onça e
esse era o seu segredo. Até que o circo chegou na Vila do Poxaréu.
Logo
após o desfile das atrações pela rua principal do vilarejo, a Onça
falou que ia tirar um cochilo, correu pro trailer e apontou o radar
na direção das casas. Logo captou uma conversa estranha. Gravou que
a Família Bovina se gabava de colocar água no leite e assim
aumentar os lucros sem aumentar a produção. Gravou também a
Família Abelha comentando que vendiam melaço de cana misturado com
suco de milho como se fosse mel puro. E conseguiu escutar que a
Família Leão vendia proteção e segurança enquanto chefiava uma
quadrilha de Hienas e Fossas assaltantes.
De
posse dessas e de outras histórias cabeludas, a Onça preparou sua
apresentação da noite, certa de que estouraria a boca do balão.
Afinal, todo mundo gosta de histórias escabrosas, pensou esfregando
uma mão na outra.
Mas,
o tiro saiu pela culatra. Quando o público viu a encenação, não
houve quem conseguisse segurar a turba. Uns exigiam saber como foi
que a Onça conseguiu acesso àquelas informações e quais eram suas
fontes; outros alegavam que tudo não passava de uma campanha de
difamação contra famílias eminentes da cidade. O que ninguém
podia negar era que, nunca na história de Poxaréu se tinha ouvido
falar de tanta corrupção.
O
delegado emitiu ordem de condução coercitiva para que a Onça
comparecesse ao tribunal, porém quando os guardas vieram prendê-la,
encontraram o povaréu pronto pra tocar fogo no circo e prender os
artistas, para sempre, num buraco bem fundo, no meio da floresta, sem
pão nem água, para que morressem à míngua. Formou-se uma
confusão, um empurra-empurra dos diabos. A Onça aproveitou uma
brecha, tentou sair de fininho pra se livrar do equipamento secreto
mas, alguém a segurou pelo rabo e, após descobrirem fitas e mais
fitas de gravações clandestinas no seu camarim, não pensaram duas
vezes: levaram-na presa para responder pelos crimes de lesa-pátria e
alta traição.
No
julgamento, alegou em sua defesa que apenas encenou a verdade. Se a
maioria da população fosse mesmo direita, como afirmavam ser,
deviam mesmo era prender e condenar os poderosos que vinha enganando
todo mundo desde muito tempo.
O
júri deliberou e decidiu que, pela culpa de indiscrição, a Onça
teria seu equipamento destruído e um chip seria implantado na
sua orelha – cada vez que tentasse ouvir uma conversa alheia
receberia uma descarga elétrica. O circo pode seguir caminho mas, a
trupe foi avisada de que jamais deveriam colocar os pés de novo na
cidade, sob pena de morte bastante dolorosa.
Desde
aquele dia, o Circo da Onça Parda nunca mais foi o mesmo. Gato
escaldado tem medo de água fria, não é assim? Hoje, sobrevivem
assim-assim, levam a vidinha, apresentam velhos números, fazem as
mesmas piadas, encenam as mesmas peças... O problema é que, sem entusiasmo, o
sucesso não bate duas vezes na mesma porta.
Quanto
a Vila do Poxaréu, depois da partida do circo, o povo decidiu
processar os corruptos. Mas como eles dominavam e dominam os poderes
locais, acabou acontecendo o que todos estão acostumados: deram uma mudada
para que tudo continuasse como estava.
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