Forró Pé de Serra, Xilogravura de J.Borges
Mangue
Seco vivia uma estiagem braba. A vida estava virando pó… Todo dia
alguém partia pro beleléu pra
morar na cidade de pé junto e comer capim pela raiz
por não encontrar um gole
d’água pra beber.
Mestre
Funéreo Asa Preta, sentiu de longe a catinga do fim. Ligeiro, voou
alto e, ao ver aquele sucesso, uma montoeira de carniça espalhada
pelo chão, estimou que não conseguiria dar conta do recado.
Danou-se a pensar numa solução e, após pousar no galho de um
umbuzeiro, decidiu que era hora de ter uma conversinha com dona
Morte. A senhora do sono
eterno havia de segurar a onda, era preciso dar um tempo naquela
estripulia e permitir que a vida voltasse ao normal.
A
indesejada das gentes disse que não tinha culpa no cartório, apenas
cumpria sua obrigação de cortar o fio da vida e levar as almas pros
campos do vai-num-torna. E que nesse negócio de seca, a
responsabilidade era de Lua e Rio que andavam de mal um com o outro…
Só quando eles fizessem as pazes, a chuva voltaria a molhar o
chão.
Urubu
se pôs no caminho da justiça e descobriu, em conversa com uns
calangos que batiam em retirada daquele solo esturricado, que Lua era
ele e se chamava Luiz e Rio era ela e se chamava Jaci; que eram dois
apaixonados, espelho um do outro; que, da noite pro dia, viraram a
cara um pro outro, por causa do ciúme que Lua sentia de ver a
querida do seu coração de deleite com o Mar.
– Ando muito chateado com tudo isso
e mais triste ainda porque a minha sanfona foi roubada. Só posso
lamentar essa situação… É muita agonia ficar sem poder tocar
minhas músicas, não contar com o meu instrumento para animar Rio a
ter olhos só pra mim. Disse Lua a soluçar, escondido num canto
escuro do seu quarto.
Funéreo
andou mais um pouco na sua investigação e acabou por descobrir que
a bendita sanfona fora roubada por dois empesteados que
infernizavam os ouvidos da população com uma moda dos estranja,
um som destrambelhado apelidado de sertanejo pesado. Por serem
muito rudes no trato com a música, inchados de pretensão e vaidade,
acabavam por arranhar as notas feito gatos brabos brigando dentro de
uma cristaleira. Jeitoso, o esperto Asa Preta conseguiu convencê-los
a mudarem o rumo das coisas. Como gostavam de batucar, lembrou-se
duma zabumba e triângulo que viu num monturo e, depois de dar um
trato nos petrechos, ensinou os dois a tocarem com maestria,
comprometendo-se a conseguir que Lua os aceitasse como companheiros
de serestas.
Lua
Luiz, ao receber de volta seus oito baixos, botou o fole pra
gemer. Quando Rio Jaci ouviu os acordes arrepiou-se todinha e começou
a derramar água pelos olhos de tanta alegria. As lágrimas
evaporaram e alcançaram as nuvens que, de tão pesadas, não tiveram
escolha senão abrir as comportas do céu e deixar que a chuva caísse
de mansinho sobre a terra sofrida.
O amado, satisfeito,
transformou-se em Lua Cheia, presenteou a amada com um lindo manto
prateado e, durante uma semana, um forró enluarado animou a cidade
com as mais belas músicas e canções. Foi tanto contentamento que a
turma decidiu mudar o nome da localidade. O que antes era um mangue
seco passou a se chamar Jaciobá que, na língua da floresta, quer
dizer espelho da lua.
O
povo, com a alma aliviada e o coração refrescado, encheu potes e
moringas e sorriu de felicidade diante das cacimbas fartas, cisternas
topadas, lagoas abarrotadas, açudes transbordantes… É, finalmente
a vida e a beleza voltaram a reinar soberanas e até hoje, toda vez
que mandacaru fulora lá na serra, é dia de festa no sertão:
sinal que a Morte entrou de férias e Urubu Rei pode tirar um
merecido cochilo depois do almoço.
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