O Casamento do Bode, J.Borges
Aos
netos e netas
Bode
Velho andava acabrunhado, se arrastando pelos cantos, desejoso de
inexistir. Cansado de tanta tristeza, encostou-se debaixo de pé de
pau pra ver se descansava os pensamentos e, quando pensou que não,
garrô num sono profundo e logo se viu no céu dos
caprinos – lugar pra vivente nenhum botar defeito: árvore pra todo
lado, grama viçosa, água gostosa de beber, rios de leite, córregos
de mel, cachoeiras e mais cachoeiras de caldo de cana e suco de cajá.
Sentindo-se em casa, passeou por aquele paraíso e, ao chegar numa
praça, teve um ataque de alegria. Encontrou um monte de amigos que
gritaram surpresa, diante
de uma mesa posta, cheiinha de fartura da melhor qualidade.
Bode Velho, matou a saudade, matou a fome e quando estava no bem-bom
do forró com uma cabrita serelepe, uma jaca mole lhe caiu sobre a
cabeça e ele acordou.
Amargurado,
correu até a funerária e se enfiou no primeiro caixão que estava
em exibição.
– Pode baixar a tampa e jogar terra
por cima, que não quero mais…
– Que houve, Bode Velho, por que
essa agonia?
– Não aguento
mais essa vida, seu Urubu.
– Pera lá, não é assim que a
banda toca, não. Primeiro vamos ter que examinar bem a situação. E
buscou os cuidados da Chica da Loca, a rezadeira.
– Sei não… disse a velha,
dependurada no seu cachimbo. - Deve de ser quebranto… Mas também
pode ser espinhela caída… Melhor benzer.
Urubu
interveio: – Bode Velho precisa de um remédio para aflição.
–
Quem sabe o compadre Bacurau num tenha… Agora: vamos benzer
ou não?
– A senhora pode ir benzendo no
caminho, disse o Urubu já pegando o cabrão pelo braço. - Vamos,
vamos procurar o velho Estrigídeo. Talvez ele tenha cura pro seu
estado mortiço.
Estrigídeo
Bacurau, era um corujão que vivia no oco de um angico desde que o
mundo é mundo. Descobrira com os saguis que essa árvore produzia
uma resina que era mais doce que mel e logo se empoleirou por ali,
certo da garantia de um suprimento de comida pro resto da vida. A
parte disto, ou quem sabe por conta disso, era conhecido como o mais
famoso conhecedor de coisas desconhecidas, o maior adivinhador de
enigmas e sabia, como ninguém, ler os alfarrábios.
Depois
de muito alisar as poucas penas da cabeça, Bacurau exclamou:
– Difícil essa resposta… Penso que isso é coisa pro Encourado
resolver.
– Mas o Encourado não tem lugar
certo de estar, a gente vai passar um bocado de tempo procurando por
ele, informou Urubu sem reparar que Bode Velho lambia os beiços enquanto cheirava um e outro livro.
–
Não se a gente carregar, cada um, um chocalho, replicou Estrigídeo.
- Ao ouvir o telengotengo do
badalo, esteja onde estiver, o Encourado, pensando ser um
bezerro desgarrado, corre pra te ajudar.
Bode
Velho, Urubu, Chica da Loca e o velho Bacurau foram pro meio do mato
badalar seus chocalhos. Não demorou nem um minuto, o Encourado
empinou seu cavalo. Forrado de couro dos pés a cabeça (para se
proteger dos galhos traiçoeiros da caatinga), mais parecia um
guerreiro de outro mundo dentro de daquela armadura colorida, coberta
de enfeites de metal e vidro e com um chicote na mão direita pra
espantar cascavel e tirar silêncio do ar.
– Vocês não parecem bezerros, foi
logo dizendo o Encourado. - O que vieram fazer neste fim de mundo?
Urubu
se adiantou mas, foi Estrigídeo quem falou: – Bode Velho anda
pelos cantos mortificado de tristeza. E tu, que és um sujeito andado
e viajado…
Encourado
deu uma chicotada no ar, desceu do cavalo e foi examinar de perto o
doente.
–
Que se passa meu amigo, por que esse desgosto todo?
–
Sabe que num sei… É uma coisa que nasce aqui, no miolo da cabeça
e vai se espalhando pela cacunda, passa pela caixa dos peito,
atravessa as costelas, toma conta dos quartos e quando penso
que não, me acontece uma vontade danada de desviver.
–
Deixa que dar uma olhada aqui no meu caderninho, onde anoto umas
bestagens…
Enquanto
examinava, o Encourado notou que Bode Velho cheirava o caderninho e
lambia os beiços…
–
Ora, ora, ora… O compadre Bode Velho tem mesmo é fome… Fome de
livros. Vamos até o casarão, que já dou um jeito nisso.
Encourado
teve o maior gosto de tratar do Bode Velho. Conseguiu que ele se
instalasse na biblioteca (que não era miúda nem raquítica) e
devorasse quantos livros quisesse e aguentasse.
Depois
de um tempo mastigando clássicos de histórias, Bode Velho começou
a andar pela vizinhança arrotando sentenças graves (às vezes com
muita graça) e, logo, o sertão percebeu a diferença. Além de
recuperar a saúde e a confiança em si mesmo, Bode Velho encontrou
uma namorada – uma raposa que gostou muito da sua conversa
espichada e cheia de belezura.
Enquanto
isso, Urubu mudou de profissão e decidiu aprender música; Chica da
Loca foi estudar medicina na Capital; o velho Estrigídeo Bacurau
saiu pelo mundo plantando árvores onde os tratores derrubavam; o
Encourado continuou no seu propósito de ajudar bezerros desgarrados
e eu – que não tinha entrado na história – vou muito bem,
obrigado.
Adorei!!! Um conto de esperança! Andam precisados... que os netos o carreguem
ResponderExcluirLi hoje para Raulzito enquanto brincava. Quem sabe um dia ele recita de có a história que o vô Paulo deixou de herança para ele e os primos.
ResponderExcluirMuito bom! E cheio daquelas palavras saborosas que o povo usa desbragadamente.
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