Complex Simple, Wassily Kandinsky, 1939
Eu
era poeta e não sabia
Pois
o dom a mim não pertencia
Antes
veio de ti, desde a origem
Toda
alegria da sublime poesia
I
Uma
fantasia já não me veste mais:
Olhos
inócuos, costurados de serpentes
Acostumada
a ansiosos passos
No
chão caviloso da minha aldeia.
Já
não vocifero mais, nem ergo os punhos
Em
declinações de revolta, eis-me aqui:
Sobrevivente,
a ostentar sobre o peito
Calcinadas
pragas e pretensões vadias.
Tantos
rastros de desprezados ritos,
Na
névoa circundante desses sonhos,
Transita
a ilha desculpada de arruinados portos
Golpeada
por alísios e terrais de prantos.
Na
trama de tais mapas, geografias passeadas de desejos,
Aguardam
precipícios de agonia – eis o sentido oculto do anticlímax
(Singularidade
exaltada na equívoco mítico das horas) -
Espaços
cardeais a sustentarem laços de convulsas melodias.
Qual
a graça desse encanto, ó idioma das soluções tardias?
Sabores
não mais salivam, órbitas não mais saltitam
Apenas
ausência e manuscritos contristados,
Desdém
incessante que me segue – se é que sigo.
Outrora
desejei um começo e hoje que o fim é óbvio
Saboreio
desse exagero, tão culpado, tão omisso, tão pequeno
E
ainda me divirto em meios as lixeiras travestidas de altares
Onde
inocentes são expostos ao ignaro assombro das calçadas.
II
Um
velho globo, um berimbau, um trenzim de ferro, um carrossel…
Enfeitai
o fundo da lagoa, meus caquinhos – mal entendidos, adeus.
Meu
quinhão de prejuízo, dívida ancestral, quitei
E
agora que fali, tudo que devo
É
de minha exclusiva irresponsabilidade.
Em
Ouro Preto dei adeus a tantas coisas:
Cine
Excelsior, Gláuber Rocha, Jequié…
O
transe do sol na terra, o drama…
Aleijadinho,
Circo Mequetrefe, adeus,
Mara
Sandra, Geralda, aquela banda,
Vera
e Suely, adeus, bye bye… E se devaneio tem desfecho,
Seja
a viagem só de ida e durante apenas uma vida,
Deriva
de quem navega buscar a palavra adeus.
III
Onde
estão teus olhos verdes
Marujos,
perplexos, atônitos
Olhos
verdes poéticos
Sombras
do que fui
Rastros
do que serei
Mergulho
através deles
E
encontro outros tantos
Castanhos,
negros, céus…
Se
tantos são esses teus olhos
Serão
tantos meus também?
IV
Uma
vida simples, sem luxo, uma casa no campo, modesta
É
tudo quanto quero, pois enxergo beleza na natureza
Banhar
o meu corpo no orvalho, inundar minha alma de ar puro
É
tudo quanto quero, pois encontro beleza na natureza
Fugir
do cinismo corrupto da urbe, livre dos dogmas safados da fé
É
tudo quanto quero, pois descubro beleza na natureza
Nada
de excesso, desperdício, desordem, mau gosto, quimera
É
tudo quanto quero, pois revelo beleza na natureza
Que
musa racional inspire o gozo de mantra diário
É
tudo quanto quero, pois engendro beleza na natureza
Digno
de espírito, alcançar o encanto que me seja possível e sincero
É
tudo quanto quero, pois invento beleza na natureza.
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