Carnival, Diego Rivera, 1936
Perdido
na floresta
Com
o braço esquerdo quebrado,
Acossado
por monstruosidades,
Penso
apenas em acordar deste pesadelo.
Hoje,
mais um desgraçado escoiceará um mendigo, mais um bom menino ateará
fogo num índio, mais um estuprador fará da vítima culpada, mais um
corrupto venderá a pátria e irá ao shopping com a família pegar
um cineminha porque ninguém é de ferro enquanto um oportunista
ganhará um nababesco bônus aplicando na bolsa a favor desse caos…
Hoje,
mais uma escola será fechada, mais uma merenda roubada, mais um
mestre esquecido, mais um hipócrita se locupletará sorridente e
consagrado, mais uma alma sebosa se iniciará na vida pública à
cata de privilégios e espaço nobre na mídia, enquanto a
desigualdade prosperará à sombra desses enormes e fedidos cabedais…
Hoje,
não faltarão programas de TV que exibirão exorcismos,
demonizações, exaustivas mortes, assassinatos, assaltos, guerra
entre gangues e entre vizinhos, brigas no trânsito, na escola,
dentro de casa, montanha de drogas, toneladas de armas enquanto
retroalimentam o ciclo vicioso que nos mantém reféns da violência,
da crueldade e da desesperança…
Hoje,
mais uma vez a doença será inventada e patenteada a cura em nome de
um monopólio, mais um excluído haverá de morrer, totalmente
dispensável, sem mérito e sem quinhão, direto pro beleléu apenas
pra saciar a sanha perversa dos capitães-do-mato, cachorros loucos
que vicejam às custas do Estado que lhe promove a guardiões…
Hoje,
mais uma vez se crucificará um diferente no altar da sacrossanta
opinião, mais uma vez a história se repetirá inexoravelmente como
farsa, uma seita intolerante se engrandecerá com um discurso de ódio
e um anticristo saído de suas hostes profetizará a irreversível
desordem para que um exército lhe sustente o apetite por poder,
dinheiro e sangue…
Hoje,
mais um juiz não admitirá contestação à sua divindade, uma
otoridade carente dará outra carteirada, uma sugar-baby
– fantasiada de barbie – garfará mais um
escroto, um salafrário jurará que é honesto e lhe será concedido
outro mandato enquanto experts
inflacionarão o futuro em prol da liberdade dos ricos ficarem mais
ricos e os pobres mais pobres.
Hoje,
a mais valia continuará, saudável e sossegada, seu regime de
engorda sob a promessa de que um dia o bolo será repartido pois se
existimos a dois passos do paraíso é necessário foco no mérito,
redobrado esforço, palestra motivacionais, livros de autoajuda,
compromisso com metas e uma boa dose de covardia que é o que mais se
compra hoje em dia…
Hoje,
mais uma vez percebo que Ordem vale exclusivamente para muitos e que
o Progresso é privativo de poucos (incluso a velhinha rentista da
Ilha de Manhattan) e compreendo que estando condenado a uma relação
assimétrica, onde as coisas fluem numa única direção, não tenho
para onde fugir: vivo o fim do mundo, numa república de bananas
sequestrada por canalhas.
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