sábado, 15 de outubro de 2016

Manhã de Carnaval


Carnival, Diego Rivera, 1936




Perdido na floresta
Com o braço esquerdo quebrado,
Acossado por monstruosidades,
Penso apenas em acordar deste pesadelo.



Hoje, mais um desgraçado escoiceará um mendigo, mais um bom menino ateará fogo num índio, mais um estuprador fará da vítima culpada, mais um corrupto venderá a pátria e irá ao shopping com a família pegar um cineminha porque ninguém é de ferro enquanto um oportunista ganhará um nababesco bônus aplicando na bolsa a favor desse caos…

Hoje, mais uma escola será fechada, mais uma merenda roubada, mais um mestre esquecido, mais um hipócrita se locupletará sorridente e consagrado, mais uma alma sebosa se iniciará na vida pública à cata de privilégios e espaço nobre na mídia, enquanto a desigualdade prosperará à sombra desses enormes e fedidos cabedais…

Hoje, não faltarão programas de TV que exibirão exorcismos, demonizações, exaustivas mortes, assassinatos, assaltos, guerra entre gangues e entre vizinhos, brigas no trânsito, na escola, dentro de casa, montanha de drogas, toneladas de armas enquanto retroalimentam o ciclo vicioso que nos mantém reféns da violência, da crueldade e da desesperança…

Hoje, mais uma vez a doença será inventada e patenteada a cura em nome de um monopólio, mais um excluído haverá de morrer, totalmente dispensável, sem mérito e sem quinhão, direto pro beleléu apenas pra saciar a sanha perversa dos capitães-do-mato, cachorros loucos que vicejam às custas do Estado que lhe promove a guardiões…

Hoje, mais uma vez se crucificará um diferente no altar da sacrossanta opinião, mais uma vez a história se repetirá inexoravelmente como farsa, uma seita intolerante se engrandecerá com um discurso de ódio e um anticristo saído de suas hostes profetizará a irreversível desordem para que um exército lhe sustente o apetite por poder, dinheiro e sangue…

Hoje, mais um juiz não admitirá contestação à sua divindade, uma otoridade carente dará outra carteirada, uma sugar-babyfantasiada de barbiegarfará mais um escroto, um salafrário jurará que é honesto e lhe será concedido outro mandato enquanto experts inflacionarão o futuro em prol da liberdade dos ricos ficarem mais ricos e os pobres mais pobres.

Hoje, a mais valia continuará, saudável e sossegada, seu regime de engorda sob a promessa de que um dia o bolo será repartido pois se existimos a dois passos do paraíso é necessário foco no mérito, redobrado esforço, palestra motivacionais, livros de autoajuda, compromisso com metas e uma boa dose de covardia que é o que mais se compra hoje em dia…

Hoje, mais uma vez percebo que Ordem vale exclusivamente para muitos e que o Progresso é privativo de poucos (incluso a velhinha rentista da Ilha de Manhattan) e compreendo que estando condenado a uma relação assimétrica, onde as coisas fluem numa única direção, não tenho para onde fugir: vivo o fim do mundo, numa república de bananas sequestrada por canalhas.




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