Drawing or Writing
Vicent van Gogh, 1886
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É o que consegui…
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???
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Coloque-se no meu lugar. Tente encontrar
o interruptor.
Tudo
do mesmo. Variam os eventos mas, em essência, permanece a luta. Os
adjetivos colorem, vibram, evocam fantasias… Verbos impedem a
inércia. Advérbios são especiarias enquanto os substantivos,
suscetíveis à vontade, aos humores, aos interesses, buscam nomear
um mundo inominável. Mas por onde chegar? Importaria, não andasse
com a cabeça no final do mês. E pensar que são necessárias
habilidades que não estão ao alcance da mão… Desespero para quê,
se é impossível qualquer independência dos pronomes e do emprego. -
Continuas no negócio de mágica?
Dê-lhe uma história, senhor. Por amor, por piedade, um capítulo…
Nas mãos, uma
caderneta encardida e a súplica por uma historinha que seja, carrocinha que fosse... Todos
pensam o melhor de si, ainda mais se se está em algum degrau acima
da rés do chão. O problema é que jamais acertamos a dose.
Gostamos mesmo é de avançar. Sem limite. O normal é viver por
fora, sujo, enredado em dúvidas, senões, contas para pagar, colégio
das crianças, rotativo no cartão... E normal não distingue as
coisas, os modos, as maneiras, as circunstâncias, só pensa na
próxima viagem à Disney. Felizmente, tem sempre alguém com moral
suficiente para dizer que pau é pau e pedra é pedra. Quer saber? Cansei, vai tomar no c… mesmo que não saiba (ou não queira) reconhecer o alvo. -
Ponha-se no meu lugar e tente encontrar o interruptor.
Às
vezes, uma alma saída dalgum livro improvável vem e deita alguns
parágrafos, autoajuda, versículos religiosos, provérbios ou até
mesmo duas ou três frases de alguma pessoa famosa… Aí, que fazer?
Aceita. Pois é certo que a gente só dá e recebe aquilo que tem e
alcança. Nessas horas, vai tudo pra gaveta, juntar-se a plágios
homéricos, títulos extensos, epígrafes caducas, enredos truncados
e finais inverossímeis, afinal o que no fundo importa de verdade é
a narrativa deste release que encontrei aqui na minha mesa
com um post-it anexado: “pra ontem e urgente”.
Um
enorme corredor esse novelo… Quantas opções e eu aqui. Seria
inteligente dizer não? Voltar aos próprios rastros? Quem pode me
condenar por seguir adiante neste ajuste de contas com as minhas três
refeições ao dia. Sim ou não, sim ou não, sim ou não… E eu,
lobisomem. Quantas truques, trapaças, desmentidos, versões
apócrifas antes de, finalmente, fazer o que não se espera? Claro
que conta a experiência. Esta maldita que primeiro nos dá a prova,
depois a lição. Concordemos por um instante: logo mais ali adiante
cada um irá para o seu lado e é como se nunca houvesse existido
aquela conversa de futuro que virou passado em meio a esse medo que
nos une, medo que nos une, medo que nos une… Embora, quem sabe,
possamos ter amado alguém ou algo mas, que importância tem isso
agora quando se perde em meio a este horror fodido de perder tudo que
se tem mesmo quando este tudo é um nada maior que tudo. E o que é a
perda, se sabemos de antemão que estamos destinados a ela. Perder
faz parte do ofício. E viver não se compara em nada com escrever.
Viver é só uma circunstância, da qual temos muito pouco controle.
Escrever… Sempre podemos editar, salvar, fechar, arquivar e tudo de
novo e novamente. Mas aí… aí caio na rua da amargura se não
prossigo. Merda, onde anda meu quinhão de reconhecimento.
Dizem
dele que juntara o suficiente para uma saga. Conjecturavam se já não
era dono dalgum romance, um épico nacional. O que ninguém via era
que aquelas histórias mal contadas, diabéticas, frívolas e, mais
das vezes, banais mal davam uma sopa de letrinhas ao fim do dia
quanto mais… Temperadas com astúcia, humor e pitadas generosas de
sexo, lhes digo, jamais competiriam com uma simples bula de remédio
quanto mais com efeitos especiais em trinta segundos. E há ainda
esta tal de gestão. É isto, enfia na cabeça, escrevemos para quem
paga. Putana, putana, putana…! Como isto é fácil. Só não sei se
gosto desta altura dos acontecimentos. Mas quer saber, dane-se
qualquer veleidade, não posso decepcionar as crianças...
O
quarto é o de sempre e a escuridão está em todo lugar. De tal modo
que não consigo distinguir cegueira de escuridão. Porque fecho os
olhos no escuro? Transfiro para as mãos, para as pontas dos dedos,
toda a responsabilidade. Porém, dedos não falam. Quem vê aquele
mar que está ali na parede? Olhar é apenas parte do problema. Ouço
e cheiro… Cheiro que vem de mim, esse cheiro, um cheiro… Alguém,
que não eu, deve lamentar, com certeza. Quanto de liberdade, quanto
de independência hei de sacrificar antes que termine essa história? -
Irresponsável, hoje... Ando assim.
E
no entanto, as palavras me vêm assim, ordenadas, categóricas…
Palavrões, clichês... Não deixam dúvidas de tão matemáticas,
indagam tão fundo que chegam a ser científicas… Ao final é
apenas um jogo, de montar, destes que a gente compra ali, destes pra
quem gosta de dar trabalho os miolos, de fazer com que alguém se
sinta burro, tal qual alguns trava-línguas, jogo de advinhas,
desafios lógicos… É só pra quem pode, esse truque. Gostarei um
dia. Hei de acreditar. Não serei para sempre vendedor de carros
usados. Tipo que perde o sossego e a inocência. E se jamais
conseguir passear pelas calçadas sem ser incomodado pelas sombras que espalho, sombras gritantes, fedidas de ódio, pedaços escrotos
desta fantasia revendida? Sei que dificilmente ficarei impune. Ainda
mais que sei: palavras não enchem barriga mas, torram o saco. -
Gostaria que não perturbasse tanto o
argumento. Seria tão mais simples se simplesmente
escrevesse de acordo com a norma.
Lindas
as histórias com finais felizes. Se a complexidade não alcança o
feliz, eis que aguardo sobreviva o simples. Ser agradável cria
estranheza e arranha. É preciso saber cultivar espinhos. Buracos,
lacunas, haverão e fim, sem fundo. Viver é só uma questão de
opinião. O verbo ferra, aleija, mata. No dia que não servir mais,
deixarei de beijar a mão que me esbofeteia. O inferno está cheio de
mim. Fecho os olhos e finjo escuridão. Sei que me entendes. Que nem você, preciso
sobreviver.
Todos precisamos sobreviver, verbalizando ou não. Mas, quando se verbaliza, os demônios ficam incomodados. Belo texto!
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