O Suicídio de Lucrécia
Albrecht Durer, 1518
Às
vezes encontro histórias reais que parecem ficção e me pergunto:
como a vida pode imitar tão bem a arte? A narrativa que apresento a
seguir, já foi exposta em livro, artigos, possui verbete na
Wikipédia e até li que o Steven Spielberg adquiriu os direitos de
transpor para o cinema as desventuras do protagonista. O que não é
inapropriado. Afinal, precisamos de histórias exemplares, sempre.
Ainda mais por conta do avanço, entre nós, de tantas pautas
conservadoras, retrógradas, fascistas... Aos leitores, peço que
sejam pacientes com o meu modo de recontar. E tenham presente o
ditado: quem conta um conto aumenta um ponto. No caso, inverti
da linha do tempo e fragmentei a história com o intuito de
possibilitar outra perspectiva. Boa leitura.
Toda
verdade será questionada
Olha
em volta: o pátio do supermercado está vazio naquela hora da manhã.
Manobra, estaciona, desliga o carro, respira fundo... Vira-se, pega
no banco traseiro (debaixo de uma manta) uma espingarda de cano
serrado… Aponta-a na direção do queixo (gesto que o obriga a
inclinar a cabeça pra trás), fecha os olhos e... dispara.
O
doutor Milton Diamond, certo de que está pisando em terreno minado,
recebe em seu consultório um repórter de famosa revista, determinado
a, finalmente, expor os métodos praticados por seu colega, o famoso
psicólogo John Money, professor da Johns Hopkins University de
Baltimore.
O
silêncio que se segue ao disparo indica que o socorro vai demorar.
Diamond
tem diante de si, uma pasta recheada: - São todas minhas
anotações desde que comecei, a investigar,
por conta própria, o tratamento que fora imposto aos gêmeos.
Um
policial encontra um bilhete que não deixa dúvida: o jovem suicida
chamava-se David e tinha 38 anos de idade.
-
Conheci-o em 1997 e desde então, escandalizado,
cuidei de questionar a premissa apregoada
pelo doutor Money de que nascemos neutros e que nossa
identidade masculina ou feminina se dá exclusivamente em função da
maneira como somos criados, o que quer dizer que é possível mudar a
sexualidade de uma pessoa através de um “redirecionamento”.
Em
estado de depressão profunda, a mãe depõe: - Após sua
história se tornar pública, perdeu o emprego; sua boa esposa Jane,
com quem vivera casado desde os 24 anos e fora um bom padrasto
para os seus três filhos, o deixara; seu irmão Bruce,
diagnosticado esquizofrênico, cometeu suicídio dois
anos atrás… Ingeriu uma overdose de
antidepressivos… Carregava uma profunda culpa por ter
saído ileso da operação… Foram anos de frustração
por ver o irmão sofrer… Meu marido tornou-se
alcoólatra… Pobre David, vivera uma vida
infeliz e desgraçada graças ao egoísmo de um médico oportunista,
cheio de certezas e, sobretudo, cruel.
-
Money nasceu numa família de rígidos
preceitos protestantes e ficou conhecido como uma
espécie de guru da sexualidade que preconizava
comportamentos sexuais ousados. Defendia os casamentos “abertos”;
estimulava o sexo grupal e bissexual, além de, em momentos mais
extremados, tolerar o incesto e a pedofilia. O problema é que
sua teoria, embora contasse com algum respaldo
na comunidade cientifica, era controversa e os seus
experimentos bastante antiéticos, diz
o doutor Milton, acendendo o cachimbo. E
após uma longa baforada, continua: - David se engajou numa
luta em busca do sexo perdido. Fez várias cirurgias para fechar a
vagina artificial, recompor a genitália masculina com a implantação
de próteses de pênis e testículos, retirar os seios crescidos a
base de estrogênos, além de iniciar tratamentos hormonais para
masculinizar sua musculatura.
Num
determinado dia do ano de 1965, o jovem casal de fazendeiros, Janet e
John Reimer, assistem a um programa de televisão no qual doutor
Money é entrevistado. Acreditam terem encontrado a solução para o
problema do filho mutilado. David começa a servir de cobaia para a
experimentação de uma teoria. O médico aconselha a família a
educá-lo como se fosse uma menina. Sugere chamá-lo de Brenda. Os
pais nunca devem mencionar o assunto daquela sexualidade artificial.
Mas não demora muito até que a “menina” comece a reagir ao
tratamento; odeia bonecas e brinquedos de meninas; rasga os vestidos
constantemente… O medo dos pais de que “Brenda” descubra a
verdade, só cresce com o tempo e os problemas começam a ficar cada
vez mais sérios. Enquanto cresce, os efeitos hormonais começam a
aparecer, e apesar do tratamento de “feminização” com
estrogênios, David começa a desenvolver musculatura e estatura
masculinas. Isso tudo desencadeia uma infância e adolescência
cercada de chacota e crueldade por parte das crianças de sua escola.
David jamais superaria aqueles anos. Muito menos aquela experiência
traumática. Um dia o doutor Money chama o casal ao seu consultório
e lhes diz que existe uma equipe de médicos que trabalham com
crianças nascidas com genitália anormal e que acreditam que um
pênis não pode ser substituído mas uma vagina funcional poderia
ser construída cirurgicamente e que o mais provável era que o filho
deles viesse a ter uma bem-sucedida maturação sexual como menina do
que como menino. - A mudança de sexo será o melhor para David,
afirma Money.
–
Conte-me mais sobre a experiência.
–
Durante muito tempo o doutor Money relatou o caso
como um experimento de desenvolvimento de gênero feminino
bem-sucedido, usando-o para apoiar a mudança de sexo e a
reconstrução cirurgia mesmo em casos sem variação de caracteres
sexuais. Quando conheci David foi quando me dei conta
de que o que o sexólogo realizava era, talvez, o experimento mais
cruel da história da Psicologia. Nos relatos de David
vemos o quanto ele submeteu os meninos à práticas degradantes.
Mostrava fotos sexuais explícitas e teria feito as crianças
encenarem posição de coito. David disse-me que era
comum o doutor Money obrigá-lo a tirar a roupa e ficar
de quatro para que seu irmão simulasse uma penetração por trás.
O casal Reimer notam algo de errado na maneira com que suas crianças de seis
meses urinam. Tratam de levá-los à clínica local. Ao serem
examinados por um profissional, recebem um diagnóstico trivial –
fimose. A recomendação é a que os gêmeos devem ser circuncidados.
O médico é enfático ao afirmar que os benefícios ultrapassam os
riscos e as vantagens estão na prevenção de infecções urinárias,
doenças sexualmente transmissíveis e até câncer de pênis.
–
Isto era uma prática comum… Tratar fimose com circuncisão?
Surpreendeu-se o repórter. O doutor Milton recolocou os óculos,
remexeu na papelada e selecionou alguns recortes de jornais com
artigos de eminentes profissionais.
–
É bastante comum naquela região, norte dos Estados Unidos e
Canadá. Existe até uma resolução da Academia Americana de
Pediatria apoiando a prática.
–
Continue...
–
Dois meses depois, os médicos optaram por não operar um deles,
cuja fimose havia desaparecido sem qualquer intervenção cirúrgica.
Um urologista realizou a operação no pequeno David
utilizando o método não-convencional de cauterização – uma
agulha de eletro cauterização em vez de um bisturi para retirar o
prepúcio do menino. O procedimento destruiu completamente o pênis
do menino. Posteriormente o órgão necrosou e, em seguida, se
desprendeu do corpo. Como os procedimentos de cirurgia de
reconstrução genital ainda eram prematuros, David
ficou com poucas opções de ter seu pênis de volta. E aí começou
o seu calvário.
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