Barber Shop, Robert Cottingham, 1989
Quando o Fonseca me
contou que a podóloga que cuida da unha encravada dele, tal qual
barbeiro, é pessoa insuportável pensei logo no seu Alfredo –
que deus o tenha.
Não que fosse de todo
desagradável, o velho. Tinha lá sua manjada conversa miolo de
pote, adorava levantar lebres, ver se havia coelho em nosso mato ,
cheio de dedos e inquirições. Bom, até aí tudo bem, dá pra tolerar. Fazer hora extra na vida alheia é esporte global e não
serei eu a desmanchar prazeres. Por este pequeno vício, com certeza
está salvo. O problema é que invariavelmente invadia minhas
inocentes narinas com uma daquelas afiadas tesouras de ponta fina.
Aí, passava dos limites.
Cobrava baratinho (um
terço do que os outros profissionais do bairro cobravam) e por isso,
de quatro em quatro meses me achegava ao seu cubículo tomado por
calafrios. No que tentei uma artimanha.
Para fugir da longa e
severa tosa dos pelinhos nasais, passei a implorar: passa a máquina,
seu Alfredo. Resmungava sereno inconformismo ao avisar que eu
bem faria se aceitasse um daqueles cortes austeros e pomposos que
estava acostumado a praticar.
Consta-me que em
conversa, seja com o barbeiro, manicure ou taxista, não existe
equidade. Neste tipo de conversa predomina caminho de mão única,
onde nosso papel é o de assentir incondicionalmente, visto não
fazer bem para a saúde contrariar aquele que, no manejo de um
instrumento, pode nos causar prejuízo imediato.
Mas eu gosto de nadar
contra a corrente. Insistir na máquina era meu modo de dizer que
queria acabar logo com aquilo, que não precisa se esmerar.
Somente a perspectiva do incomodo me fazia desbastar a juba, ficar com
aquele quase nada de cabelo, o suficiente para alisar nos momentos de
indecisão e encabulamento.
Entendia-me, o barbeiro? Nada. Seu Alfredo tinha verdadeira obsessão por pequenos
e inofensivos pelos e na arte de podá-los residia sua
desagradabilidade. Na cabeça, cinco passadas da máquina, ligeirinho
derrubava a mata. Após anavalhar os limites do corte, no que gastava
parcos minutos, passava o resto interminável do tempo a eliminar os
pelinhos do meu nariz, das minhas orelhas e das minhas assustadiças
sobrancelhas. Imaginem aquela ponta de tesoura tic-tic,
tic-tic, enquanto eu louco de vontade de espirrar, coçar e
gritar meu desespero diante da dedicação e impassividade do velho
artesão.
Por que me submetia? Já
disse, por razões econômicas. Depois, queria ver se algum dia ele
aventuraria mudar o rumo das coisas. Mas seu Alfredo não
estava nem aí pro que eu sentia ou deixava de sentir. Todo dia para
ele era igual a qualquer outro. Fazia o trabalho dele e pronto. E,
convenhamos, tinha lá seu plus. Que
mais eu queria? Ficasse quietinho durante aquele suplício em conta
com direito a Aqua Velva nas vias respiratórias ao final.
Um dia, me contaram que
alcançara o fim. Ri, liberto. Mas cabelo cresce e logo me vi
enredado com uma jovem macia de mãos sedutoras, no salão de beleza
na rua de cima. Cobra o triplo do falecido e fala pelos cotovelos, a
danada, enquanto lava meu couro cabeludo com shampoo perfumado. Na
última vez que a visitei, joguei verde: apararia os pelinhos do
nariz? Foi enfática: devia encomendar barba (e morrer em mais um
salgado tanto). Senti saudade do velho Alfredo.
Ri largado e me emocionei com saudades do "Seu Alfredo" (meu pai).
ResponderExcluirVocê descreveu em detalhes características peculiares e me fez lembrar de tantas outras histórias que ele costumava contar, tiradas do dia a dia com seus clientes.