The Happy Donor
Rene Magritte, 1966
Manuel, meu lindo Manel,
me leva embora pra Pasárgada…
Que quero lembrar das
ruas com nomes poéticos
Das bolinhas de gude, dos
gibis, dos barquinhos de papel
Do Parque das Borboletas
que não tinha borboletas mas tinha macacos
Da fonte luminosa que era
um estouro na minha juventude.
Que não quero esquecer
do tempo de escola, do primeiro tênis
Das brincadeiras de
médico, da primeira vez que vi mulher nua
Da primeira paixão, do
aperto de mãos na matinê do Cine Glória
E da amargura da primeira
decepção não me deixe esquecer
Que quero ter em mim as
histórias da época que os bichos falavam
A esteira no terreiro, as
cantigas de roda, o passa anel
O arroz com carne do sol
frita na panela de barro da vizinha
Que enchia a boca da
gente de água e o coração de felicidade.
Que não quero apagar os
sinos da igreja, da missa em vermelho e branco
A mágoa que sentia por
não carregar o crucifixo na frente da procissão
De mudar culposamente o
sentido do Ave-Maria
Pois aos meus ouvidos
pequenos a mãe de deus era uma pobre velhinha.
Por favor… É para que
fique comigo os loucos, as prostitutas
A primeira professora…
Sim, e aquele rapaz que enlouqueceu de repente
E metia medo na gente
sacudindo uma capa de vampiro, toda noite
Nas escadas da catedral,
aluado com um desesperado discurso…
Quero tanto me lembrar
dos namoricos, dos flertes, do poema em troca de beijo
Da música dos Beatles,
das farras entre amigos, do primeiro porre…
Lembrar-me da comida de
feira, das noites de lua, da ilha desconhecida
Do cajá, da graviola…
E da galega gostosa não me deixe esquecer também não.
Ah, pé de manga do meu
quintal, fala pro bom Bandeira, fala… Fala pra ele me levar.
Que o deixo guiar meu
velho velocípede, que faça dele um avião no céu da minha
meninice.
Que belo e emocionante poema! Bandeira certamente iria gostar.
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