sábado, 4 de julho de 2015

Monstros e Miséria


The Monster
Odilon Redon (1840-1916)


A um menino bonito ofereço o trono do mundo.
Dalton Trevisan
 Boa Noite, Senhor



Vivia de sono perdido. Desde tempos.

Angústia viscosa. Acostumado atravessar longas noites de lá pra cá, de cá pra lá…

Vez por outra, tomado de assalto no meio de uma cochilo, escorria ao encontro de buraco negro.

Desassossego pensar em dormir. Nossos monstros são nossa miséria. 

Uma noite, tarde da noite, decidiu correr em busca das lembranças e antes que uma luz brotasse, realizara o penoso trabalho de separar fantasias de fatos. Descobriu o elemento, o motivo. Tinha em mãos o fio da meada.

O homem quer vingança. O menino deseja sangue, muito sangue. Baba de lesma em dente de ouro. A alma vaga ganha corpo.

Havia de ser rápido. Não haveria apelação no seu tribunal sumário. Para complicar o enredo, também ele em julgamento. Seu único medo: Matando-o, mataria também a si mesmo? Correria o risco.

Eu era fraco da cabeça, invejoso. Acabei preso, arrombado dia e noite na cadeia, virei mulherzinha de gangue, comi merda, bebi catarro, caguei sangue, vomitei toda bondade e nada nem ninguém me salvou. Mas te deixei escapar e agora, por onde passo, sinto os olhos dos santos e dos anjos cravados em mim. Como é possível, santos e anjos são incapazes de ódio e no entanto, seus olhos me ferem. (…) Causei-te mal? Fui até decente contigo. Grandinho, podia ter gritado, corrido… Mas não… Posso dizer que foi consensual? (…) Morto, que mais direi? Queres o que? Profanar meu túmulo, moer meus ossos, misturá-los à urina sarnenta de um cão? Adiantaria? Escapaste, esta é a verdade. Pense na possibilidade de tê-lo amado… O que me inocentaria? Naturalizar-me? (…) Diante da sanha dos tormentos, naqueles porões famintos, não tive como provar nem uma coisa nem outra. Agora, tens a chance de nos redimir.

Cinco tiros. Um corpo. E o paralisado menino com medo de partir.

Das sombras, emergem mulher e menina.

Nossa vez, diz ela.

Jamais dormira.  




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