sábado, 25 de julho de 2015

A Divina Insônia

A Sepherd Playing Flute
Henryk Siemiradzki, 1897


Não, não preciso que os deuses venham em meu socorro
Já sou possuído por tudo que aprendi com eles.

Se não falo diretamente a nenhum
É que sei, aguardam que eu consiga caminhar
Sem que os obrigue a retribuir-me as raras visitas
Que fiz ao Olimpo que eles me legaram.

Não, meus embates não são com eles
Não sinto necessidade nenhuma de confrontá-los
Muito menos questionar seus inumeráveis atributos
Que os sei fruto do nosso infinito desemparo
E da nossa abissal pequenez diante da imensidão dos mundos.

Por isso, tenho por vós, meus deuses, o meu melhor apreço e acredito
Que os torno felizes com a simples lembrança
Que vez por outra faço a qualquer um dos vossos sagrados nomes.

Quem sou eu pra vos negar ou duvidar
Com meus pensamentos, palavras ou ações,
Quem sou eu para macular a vossa santidade,
Se não viveis dos meus rituais nem das minhas orações
Mas do brilho da centelha que habita em mim?

Como pais e mães que sois, sei o quanto sofrem
O quanto se sentem levados a nos aplicarem corretivos periódicos
Por nossas lamúrias, por nossos intermináveis e injustificáveis choros,
Nossa viciosa autopiedade, nossa recorrente tendência à vitimização,
Nossa incapacidade de pensar com a própria cabeça ou andar com as próprias pernas
A dor e a agonia com que costumamos chantagear vossa infinita graça,
Que compreendo o porquê da distância que fazeis questão manter entre nós.

Dizem os mais velhos, que os pais são responsáveis pelos filhos até certa idade
Aquela idade onde ainda não aconteceu manifesto o próprio mestre -
Aquela tomada de consciência por parte da criança da sua imortalidade,
Da longa jornada percorrida até então e do caminho colocado à frente.

Qual pai e mãe, por mais protetores que sejam,
Não gostariam de ver seus filhos aptos, fortes e dedicados
À tarefa inescapável do aprimoramento vital?
Que melhor tributo mereceis vós, progenitores,
Senão o de se deleitarem com a energia
Que emana dos nossos feitos e da nossa gratidão?

Portanto, silêncio, os deuses desejam apreciar nossa arte.
E sentir o doce aroma da nossa construída beleza.  



Nenhum comentário:

Postar um comentário