Encontro, Lasar Segall, 1924
Difícil encarar o poema
A tela em branco, o
teclado, meus dedos estranhos e humanos…
A montanha-russa que se
passa aqui dentro
Que se passa além da
minha janela, que se passa contigo
Que se passa, que se
passa, que passa…
Queria dizer coisas
bonitas aos domingos.
Dizer coisas inteligentes
e bonitas
Dizer coisas legais pras
crianças
Contar histórias das mil
e uma
Histórias que nos livre
da dificuldade de encarar o poema
Porque você liga, meu
bem, você liga.
E é tão fácil
agradar-te.
É tão fácil lembrar de
ti aos domingos.
Vamos, me convide pra
tomar a cerveja que combinamos
Quando éramos ligeiros e
espertos
O bastante para nos livramos de tantas coisas
Até encarar um poema
numa tarde de domingo…
Éramos mais naturais, a
ermo nestas calçadas que agora desconheço
Calçadas sonolentas às
nove da manhã divididas entre crenças tão banais
Sem folego para iniciar
uma madrugada para dentro do sonho…
Vamos, convide-me pra
tomar o vinho que esquecemos
No fundo da geladeira
quando ainda era dia
E costumávamos fantasiar
a próxima primavera
Alheios ao limite das
nossas insatisfações
Alheios a tarefa séria e
complicada de viver
Alheios ao fato de que
havíamos perdido
A sagrada hora de todos
os nossos encontros.
Talvez nunca tenha
existido alvoradas nem canções de protesto.
Talvez a memória seja
somente um engano.
Talvez seja esta viagem,
o efeito deste trem chamado às nuvens
Talvez seja só o meu
peito e a mania que ele tem de inventar
Causa e canto para
ofertar descanso ao meu espírito.
Porque você liga, meu
bem, você liga.
E é tão fácil
agradar-te.
É tão fácil lembrar de
ti aos domingos.
Por isso hoje façamos
assim: não combinemos mais nada.
Porque havemos de
combinar qualquer coisa?
Talvez seja o meu medo de
não poder mais dizer estas bobagens
Talvez seja só medo de
que o poema acabe assim de modo célere, repentino
E tudo se transforme…
De verdade… Em verdade.
Não, não quero mais te
buscar mas seria bom te encontrar.
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