Paixão, Frank Dicksee, 1892
A vida tinha que ser
mansa, livre de encrencas. Com os da sua qualidade, fácil: três
palavrões e pronto. Mas com as mulheres… com as mulheres, não há
estratégia. Tudo é improviso.
Neste quesito, desde
cedo, deu o jogo por perdido. Filósofo, arquitetou uma saída
honrosa. Afinal, perdedores também possuem dignidade. Porém, quanto deste
tiquinho pode ser resgatado no final? O segredo é evitar movimento
em falso, sentenciou. Nada de carregar a pecha de machista ou, deus o
livre, de canalha. Mas vejam só: tinha que manter a palavra final e
rezar por um argumento milagroso. Enquanto isto, o jeito é jogar as
palavras e só emitir juízo quando tiver certeza.
– Certeza de que,
Nicolau? Quis saber Dagô, companheiro de todas as horas - principalmente as incertas.
– Sei lá, pode ser que
um dia alguém as decifre.
– Sabe qual é o seu
problema? Você só se mete com chave de cadeia. Porque não procura
alguém cabeça, inteligente, de conteúdo?
– Assim você está querendo ver a
minha caveira. Esqueceste do Pinduca? Aquela professorinha, mais
neurótica que heroína de Woody Allen, levou o pobre à loucura e
depois disse, na maior cara dura, que era só sexo. Isto não se faz.
Homem tem sentimentos.
– Mas ele aprendeu, não
aprendeu? Tem hora que é preciso um choque de gestão.
– Choque de gestão é
o cacete. O que ela fez foi cuspir no prato que comeu. Onde já se
viu, desprezar um pobre daquele jeito depois de tudo que ele deu e
ainda fazer comparação.
Apesar do tormento,
ancorava-se na impressão de que quase nada se sustenta diante do
velho e corriqueiro bom senso e, para não passar por bunda mole,
tinha sempre à mão um sim, desculpa amor e o
infalível você tem toda razão querida bem
enérgico e altivo. Acontece que Marilda era o diabo em
pessoa. Corpo de deusa, desejos incomensuráveis e uma boca dos
confins de todos os infernos. Por que cargas d’água meteu-se
naquele imbróglio? Se os deuses não sabiam, que dirá Nicolau.
Porém, ele é o cara. Chegado a extravagancias. Sempre imbuído das
melhores e potentes intenções, certo de que é possível viver
feliz, para sempre, com o seu oposto. Quem sou eu pra caçoar da crença dos outros.
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