Sem Teto, Lee Jeffries, 2011, in Flick.com
Não o olhem com olhos
de piedade
Antes com temor ou
admiração, contemple-o
Contemple isto que
aparentemente digo que é um homem
Por ter forma e jeito
assim vitruviano
Eu que na minha média
compreensão
Sei pouco do que venha
a ser humano
Aquele que ali está,
agarrado aos seus próprios trastes
(E não chegue tão
perto, pois existem olfatos sensíveis)
A pele em andrajos,
gretada, emplastada de nojeiras
Entregue ao mais
completo abandono, desprezível
Ínfimo, verme, visível
alma penada,
Tangível contradição
de doutrina,
Sem chão, sem alma, sem
voz
Continua à porta -
indiferente à sua execração -
Alimentado por nossas
vergonhas, por nossos medos, por nossas sujeiras
Ele tão vil, tão infame, escatológico e mau, indaga:
Pode um homem descer
tanto
E donde vem o meu olhar opaco
Qual a razão,
senhores, de tamanha excrescência
Busca este bode velho alguma
transcendência
Serei algum faquir
devotado a exegese dalgum conhecimento metafísico
Que pedras empurro colina acima imitando as fábulas
Que mantras recito às tardes em louvor à indiferente divindade
Que pecados expiro e choro nos círculos profundos que minha psiquê caminha?
A sarjeta é meu limite (a única que me aceita, que me abriga, que me abraça)
E sendo ela totalmente refratária à poesia
Por favor não olhem para mim com
piedade
Nem tapem a visão das
crianças quando eu passo.
Antes não insistam em demover-me desta minha jornada heroica.
Porque pisotear-me ainda mais
a dignidade que desconheço
Ou descarregar sobre
mim mais do que vós mesmos aguentariam?
Digo: temo e admiro-o por seu destemor, sujeito às infecções terrenas, todas
Ele, repositório de
pragas, circunspecto para-raios
Um dia, por sua própria obra e graça,
Romperá esta
casca e emergirá com uma outra vontade, quiçá
Uma outra vontade que não seja a de simplesmente cair.
Belíssimo texto. Poesia-porrada, se me permite!
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