sábado, 16 de junho de 2012

Aos Que Caem


Sem Teto, Lee Jeffries, 2011, in Flick.com


Não o olhem com olhos de piedade
Antes com temor ou admiração, contemple-o
Contemple isto que aparentemente digo que é um homem
Por ter forma e jeito assim vitruviano
Eu que na minha média compreensão
Sei pouco do que venha a ser humano

Aquele que ali está, agarrado aos seus próprios trastes
(E não chegue tão perto, pois existem olfatos sensíveis)
A pele em andrajos, gretada, emplastada de nojeiras
Entregue ao mais completo abandono, desprezível
Ínfimo, verme, visível alma penada,
Tangível contradição de doutrina, 
Sem chão, sem alma, sem voz
Continua à porta - indiferente à sua execração -
Alimentado por nossas vergonhas, por nossos medos, por nossas sujeiras
Ele tão vil, tão infame, escatológico e mau, indaga:

Pode um homem descer tanto 
E donde vem o meu olhar opaco
Qual a razão, senhores, de tamanha excrescência
Busca este bode velho alguma transcendência
Serei algum faquir devotado a exegese dalgum conhecimento metafísico
Que pedras empurro colina acima imitando as fábulas
Que mantras recito às tardes em louvor à indiferente divindade
Que pecados expiro e choro nos círculos profundos que minha psiquê caminha?

A sarjeta é meu limite (a única que me aceita, que me abriga, que me abraça) 
E sendo ela totalmente refratária à poesia
Por favor não olhem para mim com piedade
Nem tapem a visão das crianças quando eu passo.

Antes não insistam em demover-me desta minha jornada heroica.
Porque pisotear-me ainda mais a dignidade que desconheço
Ou descarregar sobre mim mais do que vós mesmos aguentariam?

Digo: temo e admiro-o por seu destemor, sujeito às infecções terrenas, todas
Ele, repositório de pragas, circunspecto para-raios
Um dia, por sua própria obra e graça,
Romperá esta casca e emergirá com uma outra vontade, quiçá
Uma outra vontade que não seja a de simplesmente cair.


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