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O Dilúvio
Chinês
Num belo dia estava um camponês a colher seu arroz, quando ouviu o ribombar de um trovão. - Estou farto de ti, deus dos trovões. Sei perfeitamente que fazes isto apenas para me aborrecer. Correu até sua casa e pendurou uma grande gaiola de ferro na parte de fora e disse aos seus dois filhos: - Fiquem dentro da casa até que eu diga para saírem. O deus dos trovões, brilhante como o som de mil sinos, bastante zangado com o camponês, apareceu por sobre a casa. - Desça daí, seu covarde - berrou o furioso camponês. - Não te escondas atrás das nuvens. E aguardou o deus empunhando sua forquilha, com os dois pés fincados no chão. Com um movimento rápido e ágil, o camponês apanhou o deus nos dentes do forcado e atirou-o dentro da gaiola. - Aí estás. Agora podes fazer barulho e enfurecer-te quanto quiseres que já não me incomodas. Não tardou que a chuva acabasse e as nuvens se dissipassem, o deus fora derrotado.
Na manhã
seguinte, o camponês decidiu ir ao mercado. - Fiquem longe da
gaiola. Não lhe dirijam a palavra, diga ele o que disser. Mais
importante ainda, não deverão dar-lhe de beber. A uma distância
segura, o filho e a filha do camponês observaram o prisioneiro na
gaiola. Atrás das grades tinha uma aspecto inofensivo, contudo muito
triste e desalentado. Ao longo de todo o dia o sol brilhou, até que
as crianças sentiram sede e foram à fonte beber água. O deus, ao
reparar numa gota que escorria pelo queixo da moça, disse com a voz
fraca e em tom de lamúria bem diferente dos urros troantes do dia
anterior: - Por favor, deem-me um pouco d'água. Não tendo os
dois jovens lhe prestado atenção, o deus insistiu: - Tenho
certeza de que o vosso pai não sabia que hoje ia estar assim tão
quente. Num dia quente como este, todos deviam ter direito a um
pequeno gole de água, sejam deuses ou humanos. A moça
argumentou que não podiam desobedecer às ordens do pai e que aquilo
era para o próprio bem dele. - E se eu vos der a minha palavra de
honra que não ousarei tocar-vos?,
disse sob aquele sol impiedoso. Os moços pensaram e concluíram que
não haveria mal algum em aplacar a sede do deus, afinal era
desumanidade negar água a quem quer que fosse. Mas não sabiam que a
força e o poder do deus provinha da água. Mal a primeira gota lhe
passou pelos lábios, recobrou seu antigo ânimo e libertou-se da
gaiola. As crianças recuaram aterrorizadas mas o deus
tranquilizou-as: - Nada temam. Disse que não vos faria
mal. E pela bondade que demonstraram, vos darei um dos meus dentes.
Plante-o e usem os frutos que ele gerar com sensatez.
Dito isto, voltou para o céu.
Preocupados
com o que o pai faria quando visse que o deus desaparecera, decidiram
plantar o dente. Ao menos, quem sabe, nascesse dali alguma coisa que
pudesse agradá-lo quando regressasse. Imediatamente irrompeu uma
planta do chão e nasceu-lhe um único fruto: uma cabaça gigantesca
e ficaram sem saber para que servia aquilo. Nesse momento voltou a
chover e, quando o pai chegou do mercado, já havia grandes poças em
redor da casa. - Vocês têm consciência do que fizeram? O
deus dos trovões voltou para o céu e, para se vingar, irá inundar
a terra. Por causa de vocês, vamos morrer todos afogados.
Aquilo era uma injustiça, as crianças notaram. Havia sido ele e não
elas quem tinha começado aquela querela. Mas agora era tarde, as
águas já estavam à altura da cintura. - Terei que
construir um barco para nós. Enfrentei o deus com uma forquilha de
ferro, encerrei-o numa gaiola de ferro, por isto será num barco de
ferro que irei proteger-me dele.
Lançou
mãos ao trabalho e os filhos ouviam mais o ferro sendo batido que o
som da chuva. O barco de ferro não tardou a ficar pronto mas as
crianças não quiseram entrar a bordo. Lembraram-se do que o deus
havia dito acerca do dente mágico. E descobriram a razão daquela
cabaça ser imensa. Apesar dos protestos do pai quando subiu para seu
próprio barco, as crianças entraram na cabaça gigante. E as águas
subiram até que chegaram às portas do céu. Jamais um humano
lograra aproximar-se delas, por isto, quando o camponês bateu com a
força dos seus punhos e pediu ajuda, o senhor do céu foi apanhado
de surpresa e quis saber que barulho terrível era aquele que se
ouvia vindo da terra. Informado que tudo não passava de vingança do
deus dos trovões contra o camponês, ordenou que as águas
baixassem. Mas elas baixaram tão rapidamente que o barco de ferro
estatelou-se na terra, partindo-se em vários pedaços ocasionando a
morte do camponês. Felizmente para as crianças, a aterragem deles
foi mais suave. A cabaça embateu contra o chão e balançou ainda
umas quantas vezes, após o que as duas crianças pisaram o solo,
nada sofrendo além de uns poucos arranhões. Foram os únicos
sobreviventes daquela catástrofe. Como não havia nada para comer, o
senhor do céu, os presenteou com uma bola de carne. Eles a
repartiram em pequenos pedaços e espalharam ao vento. A cada pedaço
que atingia a terra, nascia um novo ser humano. Dos lançados por Nu
Wa, nascia mulher; dos lançados por Fu Xi, nascia homem. E assim,
graças ao casal irmão primeiro, a terra pode ser novamente
repovoada.
Bela história.
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