sábado, 21 de janeiro de 2012

Senhores, Capatazes, Capangas e Sacos de Pancada


Justiça Verdadeira, Google Imagens


Primeira Cena
- Mas, Sr.Dent, o projeto estava à sua disposição na Secretaria de Obras há nove meses.
- Pois é. Assim que eu soube fui lá me informar, ontem à tarde. Vocês não se esforçaram muito para divulgar o projeto, não é verdade? Quer dizer, não chegaram a comunicar às pessoas nem nada.
- Mas o projeto estava em exposição...
- Em exposição? Tive que descer ao porão para encontrar o projeto.
- É no porão que os projetos ficam em exposição.
- Com uma lanterna.
- Ah, provavelmente estava faltando luz.
- Faltavam as escadas, também.
- Mas, afinal, o senhor encontrou o projeto, não foi?
- Encontrei, sim – disse Arthur. - Estava em exibição no fundo de um arquivo trancado, jogado num banheiro fora de uso, cuja porta tinha uma placa: Cuidado com o leopardo.
Douglas Adams, Guia do Mochileiro das Galáxias


Segunda Cena
- Deseja falar com quem? - perguntou
- Com o gerente.
- Emprego?
- Não.
- Seu nome.
- Pererico.
- De quê?
- Não interessa, ele não me conhece.
- Posso saber o assunto?
- É assunto de terceiros e devo guardar sigilo. Apenas posso assegurar-lhe que é coisa rápida, de minutos. Ademais tenho urgência de regressar à minha terra.
O porteiro abaixou-se até a mesinha, que ficava no canto da sala, retirando de uma das gavetas uma ficha de metal.
- Pela numeração dela – disse com um sorriso malicioso – a sua conversa com o gerente levará tempo a ser concretizada.
Murilo Rubião, A Fila

Terceira Cena
- Que deseja?
Akáki Akákievitch já sentira de antemão a necessária timidez; meio confuso, falando na medida em que a desenvoltura da língua o permitia, explicou, acrescentando, inclusive mais frequentemente que o habitual, a partícula aquilo, que tinha um capote novinho em folha mas que o haviam roubado de maneira desumana; que se dirigia a ele pedindo para interceder de algum modo, entrar em contato com o chefe de polícia ou outro qualquer, dar um jeito de descobrir onde estava o capote. Sabe Deus por que, o fato é que o general achou que Akáki Akákievitch estava usando de intimidade.
- Meu caro senhor, continuou ele intercadente – o senhor por acaso não conhece o regulamento? Não sabe onde se encontra? Como se encaminham as coisas? O senhor devia ter antes apresentado uma solicitação à chancelaria; esta a enviaria ao chefe do escritório, ao chefe da seção, depois ao secretário e então o secretário a passaria para mim...
- Mas, Excelência – Akáki Akákievitch procurava reunir toda a sua diminuta fração de presença de espírito e, sentindo que estava terrivelmente suado, continuou: - Excelência, tive a ousadia de importuná-lo porque o negócio de secretários é... é uma gente que não merece confiança.
- O quê? Como? De onde lhe vem tanta ousadia? Que maneiras são essas que o senhor adquiriu? Que desrespeito é esse que os jovens andam difundindo em relação aos seus chefes e superiores!
A pessoa importante pareceu não notar que Akáki Akákievitch já passava dos cinquenta anos. Logo, se ele pudesse ser qualificado de jovem, isso só seria possível em termos relativos, ou melhor, em comparação com aqueles que já estavam na casa dos setenta.
- O senhor por acaso não sabe com quem está falando? Não entende diante de quem se encontra? Entende isso ou não entende?
Gogól, O Capote


Quarta Cena
Embora involuntariamente, K. deixou-se arrastar num diálogo de olhares com Franz, mas, reagindo, acenou com os documentos e disse: - Aqui está a minha documentação.
- E para que a queremos nós?, respondeu o guarda mais alto. O seu procedimento é pior do que uma criança. O que é que o senhor quer? Pensa que vai fazer andar mais depressa este seu lindo processo só porque discute conosco, os seus guardas, por causa de documentos e mandatos de captura? Somos apenas simples subordinados e pouco percebemos de documentos. Nada temos que ver como seu caso, a não ser vigiá-lo dez horas por dia, que é para isso que nos pagam. Isto é tudo o que somos, mas compreendemos perfeitamente que os chefes para quem trabalhamos, antes de ordenarem uma prisão como esta, devem estar devidamente informados das razões que a motivam e da pessoa do preso. Não pode assim haver qualquer engano. Os nossos funcionários, tanto quanto os conheço, e eu apenas lido com os menos categorizados, não andam à caça dos crimes das pessoas, mas, tal como a lei exige, vão direto ao culpado, enviando-nos a nós, os guardas. Esta é a lei. Como pode, pois, haver um engano?
- Desconheço esta lei, respondeu K.
- Tanto pior para si, replicou o guarda.
- E provavelmente ela não existe, a não ser nas vossas cabeças, volveu K., tentando captar o pensamento dos guardas e virá-los para o seu lado ou então adaptar-se ele próprio a eles. Mas o guarda disse apenas numa voz desencorajadora:
- O senhor ainda insiste? Franz interrompeu, - Olha, Willem, ele diz que não conhece a lei e, no entanto, declara que está inocente.
- Tens inteira razão, mas nunca conseguirás que esse tipo de homem reconheça onde está a razão, replicou o outro.
K. não fez mais objeções. Mas pensou: Vou deixar que estes miseráveis mercenários - que é o que eles próprios admitem ser - estabelecem com a sua tagarelice uma maior confusão no meu espírito? Falam de coisas que não entendem de maneira nenhuma, pois só a estupidez os conduz a tal certeza.
Franz Kafka, O Processo



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