Justiça Verdadeira, Google Imagens
Primeira Cena
- Mas,
Sr.Dent, o projeto estava à sua disposição na Secretaria de Obras
há nove meses.
- Pois
é. Assim que eu soube fui lá me informar, ontem à tarde. Vocês
não se esforçaram muito para divulgar o projeto, não é verdade?
Quer dizer, não chegaram a comunicar às pessoas nem nada.
- Mas o
projeto estava em exposição...
- Em
exposição? Tive que descer ao porão para encontrar o projeto.
- É no
porão que os projetos ficam em exposição.
- Com
uma lanterna.
- Ah,
provavelmente estava faltando luz.
-
Faltavam as escadas, também.
- Mas,
afinal, o senhor encontrou o projeto, não foi?
-
Encontrei, sim – disse Arthur. - Estava em exibição no fundo de
um arquivo trancado, jogado num banheiro fora de uso, cuja porta
tinha uma placa: Cuidado com o leopardo.
Douglas
Adams, Guia do Mochileiro das Galáxias
Segunda Cena
- Deseja
falar com quem? - perguntou
- Com o
gerente.
-
Emprego?
- Não.
- Seu
nome.
-
Pererico.
- De
quê?
- Não
interessa, ele não me conhece.
- Posso
saber o assunto?
- É
assunto de terceiros e devo guardar sigilo. Apenas posso
assegurar-lhe que é coisa rápida, de minutos. Ademais tenho
urgência de regressar à minha terra.
O
porteiro abaixou-se até a mesinha, que ficava no canto da sala,
retirando de uma das gavetas uma ficha de metal.
- Pela
numeração dela – disse com um sorriso malicioso – a sua
conversa com o gerente levará tempo a ser concretizada.
Murilo
Rubião, A Fila
Terceira Cena
-
Que deseja?
Akáki
Akákievitch já sentira de antemão a necessária timidez; meio
confuso, falando na medida em que a desenvoltura da língua o
permitia, explicou, acrescentando, inclusive mais frequentemente que o
habitual, a partícula aquilo, que tinha um capote novinho em
folha mas que o haviam roubado de maneira desumana; que se dirigia a
ele pedindo para interceder de algum modo, entrar em contato com o
chefe de polícia ou outro qualquer, dar um jeito de descobrir onde
estava o capote. Sabe
Deus por que, o fato é que o general achou que Akáki Akákievitch
estava usando de intimidade.
- Meu
caro senhor, continuou ele intercadente – o senhor por acaso não
conhece o regulamento? Não sabe onde se encontra? Como se encaminham
as coisas? O senhor devia ter antes apresentado uma solicitação à
chancelaria; esta a enviaria ao chefe do escritório, ao chefe da
seção, depois ao secretário e então o secretário a passaria para
mim...
- Mas,
Excelência – Akáki Akákievitch procurava reunir toda a sua
diminuta fração de presença de espírito e, sentindo que estava
terrivelmente suado, continuou: - Excelência, tive a ousadia de importuná-lo
porque o negócio de secretários é... é uma gente que não merece
confiança.
- O quê?
Como? De onde lhe vem tanta ousadia? Que maneiras são essas que o
senhor adquiriu? Que desrespeito é esse que os jovens andam
difundindo em relação aos seus chefes e superiores!
A pessoa
importante pareceu não notar que Akáki Akákievitch já passava dos
cinquenta anos. Logo, se ele pudesse ser qualificado de jovem, isso
só seria possível em termos relativos, ou melhor, em comparação
com aqueles que já estavam na casa dos setenta.
- O
senhor por acaso não sabe com quem está falando? Não entende
diante de quem se encontra? Entende isso ou não entende?
Gogól,
O Capote
Quarta Cena
Embora
involuntariamente, K. deixou-se arrastar num diálogo de olhares com
Franz, mas, reagindo, acenou com os documentos e disse: - Aqui está
a minha documentação.
- E para
que a queremos nós?, respondeu o guarda mais alto. O seu
procedimento é pior do que uma criança. O que é que o senhor quer?
Pensa que vai fazer andar mais depressa este seu lindo processo só
porque discute conosco, os seus guardas, por causa de documentos e
mandatos de captura? Somos apenas simples subordinados e pouco
percebemos de documentos. Nada temos que ver como seu caso, a não
ser vigiá-lo dez horas por dia, que é para isso que nos pagam. Isto
é tudo o que somos, mas compreendemos perfeitamente que os chefes
para quem trabalhamos, antes de ordenarem uma prisão como esta,
devem estar devidamente informados das razões que a motivam e da
pessoa do preso. Não pode assim haver qualquer engano. Os nossos
funcionários, tanto quanto os conheço, e eu apenas lido com os
menos categorizados, não andam à caça dos crimes das pessoas, mas,
tal como a lei exige, vão direto ao culpado, enviando-nos a nós, os
guardas. Esta é a lei. Como pode, pois, haver um engano?
-
Desconheço esta lei, respondeu K.
- Tanto
pior para si, replicou o guarda.
- E
provavelmente ela não existe, a não ser nas vossas cabeças, volveu
K., tentando captar o pensamento dos guardas e virá-los para o seu
lado ou então adaptar-se ele próprio a eles. Mas o guarda disse
apenas numa voz desencorajadora:
- O
senhor ainda insiste? Franz interrompeu, - Olha, Willem, ele diz que
não conhece a lei e, no entanto, declara que está inocente.
- Tens
inteira razão, mas nunca conseguirás que esse tipo de homem
reconheça onde está a razão, replicou o outro.
K. não
fez mais objeções. Mas pensou: Vou deixar que estes miseráveis
mercenários - que é o que eles próprios admitem ser - estabelecem
com a sua tagarelice uma maior confusão no meu espírito? Falam de
coisas que não entendem de maneira nenhuma, pois só a estupidez os
conduz a tal certeza.
Franz
Kafka, O Processo
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