sábado, 28 de janeiro de 2012

Enquanto isso...


Foto Reuters


Faltando dez dias para o Natal de 1996, quatro pessoas partiram do Guarujá para visitar quatro praias localizadas na encosta da serra do Guararu – uma área de 4 mil hectares, conhecida como Rabo do Dragão, tombada em 1992 pela Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, também protegida por decreto federal de 1993.

O carro seguia pela rodovia Guarujá-Bertioga e, pelas janelas, podia-se admirar o verde robusto de remanescentes florestais da mata atlântica, que já ocupou 1,3 milhão de quilômetros quadrados da costa brasileira, desde o Rio Grande do Sul até o Rio Grande do Norte, restando atualmente 8% dessa área.

A primeira parada aconteceu no Km 17, à frente da guarita do Loteamento Iporanga. O relógio marcava 4 horas da tarde quando os vigilantes comunicaram que o automóvel não poderia entrar: a praia era particular. O grupo obedeceu e seguiu viagem. Dez minutos depois, o carro parou junto à portaria do Loteamento São Pedro, onde seu acesso também foi impedido. O grupo prosseguiu, tentando dessa vez ingressar nos loteamentos Tijucopava e Taguaíba, mas mais uma vez sua entrada foi barrada.

O jeito foi retornar, sem ao menos ter conseguido colocar os pés na areia. Lá, o então promotor de Justiça do Guarujá, Edward Ferreira Filho, aguardava pelos integrantes do grupo. "Era notório que só podia entrar naquelas praias quem tinha casa, terreno ou autorização expressa de proprietários de imóveis lá de dentro", lembra Ferreira Filho. A partir daí, ele instaurou inquéritos civis de ofício para restaurar o acesso às praias, indevidamente privatizadas por empresas loteadoras.

Nos inquéritos, o promotor alegou que as companhias feriam princípios tanto constitucionais como ordinários, a exemplo de leis federais e de artigo do Código Civil descritos no processo. Foram propostas quatro ações civis públicas, as quais exigiram a liberação do acesso às praias através de ruas dos loteamentos.

Em 1997, porém, a câmara de vereadores do Guarujá aprovou lei municipal que outorgava aos loteamentos a administração de uso dos bens públicos em suas dependências, a fim de preservar o meio ambiente. Daí resultou uma segunda ação civil pública encaminhada por Ferreira Filho, que alegou inconstitucionalidade, já que as cancelas continuariam a controlar a entrada de visitantes, contrariando o artigo 85 da Constituição Paulista. A ação foi julgada improcedente, mas desde 2001 tem recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal (STF). "O julgamento está demorando demais, pois já vai fazer cinco anos. Não é normal demorar tanto tempo porque favorece os interessados diretos", comenta o promotor.

Na lista de proprietários de casas e terrenos dos quatro loteamentos há muita gente do alto escalão político e econômico. "Ao analisar a ação civil pública referente à praia de Iporanga, é possível ver que o ex-presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Francis Davis, ingressou no processo como terceiro interessado. Um dos advogados da Câmara Municipal, Evandro Luís Castelo Branco Pertence, é filho do ministro do STF", observa Ferreira Filho. Entretanto, para Antônio Ângelo Faragone, presidente do Conselho da Sociedade dos Amigos do Sítio Iporanga, "não há a menor interferência da Sasip, nem para procrastinar nem para agilizar". Ele diz não se sentir favorecido pela demora dos trâmites, pois preferia que o caso já tivesse sido julgado”.

(Trecho do artigo de João Mauro Araújo, transcrito da Revista Sesc – Problemas Brasileiros, n° 373, jan/fev 2006, online no Portal SescSP)

Enquanto nossa justiça trabalha com celeridade e presteza no Pinheirinho, as Imobiliárias fazem a festa a serviço do bem estar e da preservação ecológica, conforme lemos em seus anúncios e panfletos largamente divulgados:

- A Imobiliária Itimar Imóveis traz para você o Condomínio Sorocotuba Guarujá, que além de toda comodidade de uma Casa no Guarujá e um Apartamento no Guarujá espaçosos e confortáveis, tem a privativa Praia do Éden.

- O Loteamento Jardim Acapulco, Localizado no Km 10,5 da Estrada Guarujá-Bertioga, tem aproximadamente 814.000 m² de área, inserido às margens do Canal de Bertioga, com acesso aquático através de três canais secundários, de profundidade adequada a embarcações de porte, oferecendo o conforto e segurança de aportá-las no pier particular de cada residência. Além de segurança 24 horas, tanto de portaria quanto de ronda, o condomínio oferece uma infra estrutura com área de recreação, sede social, área reservada a futuro Centro Náutico, à altura do alto nível das edificações de mansões e casarões, dignos de elogios de nomes conceituados da nossa arquitetura.

- O Condomínio Marina Guarujá, mantém convênio com condomínios de igual porte, como o de Iporanga, Sítio São Pedro, Tijucopava e Taguaíba, para que os condôminos possam usufruir destas praias, e utilizar o único heliponto da região homologado pela aeronáutica.

Definitivamente somos uma nação de Senhores, Capatazes, Capangas e Sacos de Pancada. O resto que se moa.


Um comentário:

  1. Nada a acrescentar ao que você expôs e singelamente resumiu no último parágrafo. Este é o Brasil!

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