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Na
longínqua, ensolarada e verdejante Ilha de Pelópia mandavam dois
regentes austeros e ufanistas. Faziam e aconteciam e não prestavam
contas. O povo para eles é que tinha a sorte de tê-los como donos
da vida e da morte. Ê lugar bom pra se viver. Lugar bom pra se viver
estava ali.
Burocrácio
– (Com jornal) Patati patatá... deixa ver... ouçam esta aqui:
“Não há um só pelopino, desde a mais tenra idade, que não
pratique o mais popular e nobre esporte. Celeiro de craques, somos
hoje grande exportador de cafifas. Pelópia desponta como favorita
absoluta ao título máximo no campeonato mundial de pandorgas,
posição que mantém a mais de meio século, a despeito da torcida
contra, invejosa e maledicente”. E vai por aí a fora...
Devassa
– A vida é linda!
Baleia
– (Entrando esbaforido) Meus soberanos, o Ministério da Coisa
Líquida e Certa...
Volupo
– Que espero continue acertando e liquidando com altos índices de
produtividade, diga-se de passagem!
Baleia
– Respeitosamente...
Devassa
– Você não está irradiando bons fluidos, Baleia!
Baleia
– Sinto-me envergonhado por trazer-vos desagradável notícia.
Volupo
– Quem se atreve...?!
Baleia
– Os Prejudicados!
Devassa
– Gentinha sem caráter.
Volupo
– O que desejam desta vez? Não bastam as cestas básicas?
Baleia
– Sublime recordação. Porém, o buraco agora é mais acima.
Ameaçam invadir o palácio se a infante Magdala não for libertada e
coroada imediatamente soberana de Pelópia.
Regentes
– Ai, ai, ai... me segura que vou ter um troço (Desmaiam)
Burocrácio
- (Ao Baleia) Satisfeito?
Baleia
– Mas...
Burocrário
– Esta tua competência ainda vai acabar nos levando pro buraco.
Baleia
– E agora?
Burocrário
– Segura tua onda e vai bombando ar (Entrega-lhe um leque. Recita)
“A densa floresta de sanguessugas repleta/ De abrigo serve ao
ignaro contrabando/ E às orgias laicas dos primitivos aborígenes/
Mas o braço valeroso e forte/ Do egrégio poder lúcido e audaz/
Traz a impoluta máquina/ O potente tijolo/ E o prático aerosol
repelente/ Cumprindo seu destino altaneiro/ Rasga o homem/ O manto
covarde e vil da indolência/ Introduzindo na mata inóspita/ A
singela civilização/ Ei, serra/ Ei, trator/ Leva o progresso onde a
vontade guie/ E a insigne excelência alcance”.
Devassa
– Já consigo respirar!
Volupo
– Puxa, tocou fundo. Lavra de quem, esta pérola?
Burocrácio
– Da minha santa vó, que o divino a tenha!
Volupo
– Emoções à parte, chegou a hora da onça beber água. Abram as
canais com a nação!
Burocrário
– Rede à postos! Em três... dois... um, no ar! Sai pro lado,
Baleia!
Volupo
– Pelopinos e pelopinas. Mais uma vez, no exercício estrito do
dever outorgado, penetro em vosso lar (com perdão da má palavra) no
momento em que saboreardes uma gentil penosa. Obrigado e bom
proveito. Amados, novamente a mão solerte da discórdia ameaça
nossas mais sagradas instituições que, com sacrifício pessoal e
familiar, busco preservar e aperfeiçoar. Daqui, do aparente
aconchego do trono, onde, para informação de vocês, faço das
tripas coração, estou de butuca naqueles que querem chutar o pau da
barraca! Comigo não, violão! Aqui não tem esbórnia. Somos
pacíficos por obra e graça do divino mas, se me pisam nos calos,
rodo a baiana e aí todo mundo vai saber o que luzia perdeu na horta.
É só. Em nome da nossa amizade, fica aqui um grande abraço. Fim.
Burocrácio
– Fechada a rede.
Volupo
– Acho que coloquei as coisas no seus devidos lugares, não? Burô,
me chama o Falcão.
Devassa
– Amoô...! Será que vamos ter um endurecimento do regime?
Volupo
– Arriar a bandeira, nunca!
Devassa
– Nossa, me subiu um fogo. (Ao Baleia) Que parar de abanar esta
meleca!
Volupo
– Devassa, na iminência de chover cobras e lagartos, talvez
devesse passar o fim de semana na casa de Noca.
Devassa
– Nem vem que não tem!
Volupo
– Foi só uma sugestão.
Devassa
– Te conheço de outros carnavais.
Volupo
– O trem aqui vai feder, tô avisando.
Devassa
– Pode tirar seu cavalinho do cerrado.
Volupo
– Diz que me ama!
Devassa
– Num digo!
Volupo
– Diz.
Devassa
– (Inaudível)
Volupo
– Não ouvi.
Devassa
– Fico encabulada!
Volupo
– Quem é a minha bilunga?
Devassa
– Ah, Volupo, pára, vai!
Volupo
– (Xumbregação) Que foi, Baleia?
Baleia
– Olha, não é pieguice, não. Mas esse amor me comove.
Devassa
– Devias ter pensado nisto antes.
Baleia
– Perdoem-me qualquer desassossego.
Volupo
– Depois me lembre de te dar uns cascudos.
Devassa
– São sejas duro com ele.
Baleia
– Para minha remissão... (Apresenta relatório) Saiu indagorinha
do forno.
Volupo
– Quanto?
Baleia
– Nadinha. Não gastei um só dubrix. Claro que usei de certos
métodos persuasivos, coisa leve, autorizada pela lei de patentes. Vê
esta reta ascendente? Estamos no rumo certo.
Volupo
– Quem?
Baleia
– Vosso governo.
Volupo
– Aprovação?
Baleia
– Noventa e oito virgula noventa e sete.
Volupo
– E o resto?
Baleia
– Que resto?
Volupo
– A titica que falta.
Baleia
– Favas contadas.
Volupo
– É por isto que você continua morando na cidade baixa.
Baleia
– Considere a margem de erro!
Volupo
– De erro em erro, ferra-se um governo!
Continua...
Estou no acompanhamento para ver até onde vai esse descalabro governamental!
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