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Caiu na rede. Acachapado de cotidiano, pensou: entre uma e outra teclada quem sabe um recomeço, um zero marco, ilha sonhada, palmeiras, corgos dulcíssimos e imbus e mangas e cajás e graviolas... Que tais frutas sumarentas nos destinam ao Valhala na companhia de Valquírias. Pasárgada é logo ali, viu? Então tá: adeus à fuligem na cara, olhares tortos dos malas, disse me disse das gralhas, incerteza dos párias, melancolia sumária... Caiu na rede, rendeu-se ao futuro, antes que cá fora lhe esfolasse a alma o mundo cruel, mundo mundo vasto mundo que nunca oferece trégua nessa paz encarquilhada, mundo que não entende e ele menos ao que saiba. Componha-se, homem, não entre errado na fala! Compusera-se. Reinventar-se-ia um, mesmo que fosse apenas mais um, ficaria nos trinques, ele, todo pachola.
Cisma daqui e dali, entrou num social. Nossa!, que festa, gente de tudo que é canto, gente de todo lugar, tudo ali, ao alcance do toque, do clique... E tome prosa e tome lero e quando pensou que não, tinha pra mais de trinta daquele jeito chegado. Aí veio a lapada e veio na forma de fera, tremenda besta quadrada. Ops, pensou, o buraco é mais embaixo, aqui não se controla, não se mantém a postura, a verdade é nua e crua, é selvagem, vai assim: sem vaselina? Caraca, isto é comércio de bárbaros. Sossega, que caíste no paralelo. Não, nada, foi só uma má entrada, uma nervosa chegada, marujo assim de prima, leva sempre escorregada... Um tanto quanto escolado - que ter o couro duro é marca sua registrada - ciscou por outras plagas, dimensão é o que não falta.
Um momento: vou permitir ao narrador abrir um parênteses para lembrar (num tempo em que telefone era patrimônio) de um conhecido que lá pelas tantas apresenta, orgulhoso, uma luzente parafernália eletrônica com a qual se comunicava com deus e todo mundo, gente de todos os credos, cores e patentes. Pertencia a uma fraternidade, todos macanudos numa só emulação. Começara só na escuta, depois, com traquejo e disciplina, chegara ao degrau de aplicado e paciente viajante do éter na faixa dos quarenta metros. Toda noite, às dez, fazia o seu dx, ávido em resolver pendências de quem dos seus préstimos necessitasse visto que os meios comuns levavam dias, semanas e até meses para alcançar o precisado. Que será feito daquele, hoje? Permanece? Terá caído ness'outra rede e largado pra lá os recados, as mensagens, os comunicados de doença, nascimento e morte, as viagens, as mudanças...? Num misto de escoteiro e santo, portando um fogo sagrado, chegara a rádio amador: sujeito solidário, rígido código de conduta, cuja remuneração resumia-se ao prazer de prestar única e exclusivamente um serviço ao próximo. Pronto, fecha parênteses.
Não, não era aquele o seu caso, não que deixasse de ser solidário e de vez em quando se pensasse escoteiro, mas em meio outro, esse dagora, ainda desengonçado, melhor procurar um luauzinho uma praia imaginária, um poeminha no poste, um botequinho de esquina, uma serenata enluarada, uns brequetes desse tipo. Estava mais a fim de destilar e sorver a mais sublime das artes, por ser encantatória, por ser coisa inofensiva, que é trocar versos floridos, fazer música no teclado, assim, coisa leve, nada de pedrada.
Foi daí que conheceu a criatura mais doce e terna e gentil que por este e outros meios, em qualquer tempo e espaço, já fora capaz de encontrar. Não causou-lhe espanto o fato dela apresentar-se com nome um tanto quanto diáfano mesmo porque poetas dignos da velha escola são encorajados a desenvolverem criações o mais perto possível das nuvens e, quanto mais perto dos arcanos celestiais maior o seu poder de encanto e porque não dizer engano. Fisgado pela escrita comovente e por vezes serelepe daquela alma, que de tanta brancura chegava a cegar, deixou-se levar por aquela lufada de ternura e carícias. Acolchoados seus mais secretos desejos, embaladas suas insones madrugadas, viu-se em céu de brigadeiro sem se dar conta de que em todo começo a perpectiva carrega o nome de flores. “O mar quando quebra na praia é bonito, é bonito”.
E aí veio o impensável, o inaudito, o espantoso. Ela disse: te amo, te amo e que te quero mais que tudo neste mundo de misérias, safadezas, abandonos, mentiras, traições, vilezas e safanões... Te quero com toda a minha alma e todo o meu corpo e todo o meu desejo e todo o meu ser, porque és a luz que brilha neste meu céu manchado de mágoas... Só não me perguntes quem sou porque não, não digo quem sou nem que a vaca tussa, porque vivo alvoroçada, louca tem sido minha procura por um regaço que alivie incontáveis nódoas e imperdões, eu que trago o coração emparedado e agora me vens tu, tu o meu bálsamo, folego de sobrevida para minha alma afogada... Vem que quero ser tua, toda tua, para sempre tua. Agora fale, após toda esta deixa, diga que sou correspondida, senão não é amor, é paixão e paixão já cansei, não quero mais ser enganada, comigo é oito ou oitenta, não quero meias palavras, diga, diga logo, pôrra, diga que me ama ou não falo mais nada.
Dos confins da sua perplexidade, balbuciou: - É... Gosto, gosto do que escreves... - O quê, gostas do que escrevo? Mas é de mim que tens que gostar! - Não, flor, entenda... - Entendo, sim entendo: tu não me amas. Ó, que sou mesmo uma desgraçada! Para atalhar ato revolto, não teve alternativa senão perorar: - Desculpa, mas preciso dizer uma coisa... - Qual é, diga logo, que meu peito arde e a minha boca clama pelos virtuais beijos teus... - Esse negócio de dizer assim, assim, de sopetão... Vai daí que não sei... Por falar nisso, quem sois?, de verdade, não enrola. - Não digo, não digo e pronto, tenho medo, já sofri muita esparrela, minha confiança vive por demais abalada. Gente, gente, que faço?, gritou embaraçado. E foi só que lhe ocorreu: - Mais desgraçado sou eu que sofro de mal incurável. - E qual é, por favor, diga logo, me tira desta agonia. - O mal que trago em mim é coisa muito escabrosa, carrego este fardo há anos, esse fardo mui pesado. - Não faz suspense, cacete, solta logo esta granada! - Coisinha, não fiques tão abalada, é que sou meio troncho meio múmia, alma metade penada, hedionda cicatriz adorna minha face, minha língua é presa e trago as duas órbitas saltadas de tanto que vivi os desvios em sítios da pá virada.
Por obra e graça dos poderes da grande causa que a tudo regenera e consagra, a conexão caiu. Desanuviado, correu para a cama e dormiu como nunca houvera antes seguro ter alcançado a sublime condição de peixinho no aquário.
Indelével, Paulo.
ResponderExcluirQuantos de nós não somos meros peixinhos pela vida afora?
ResponderExcluir...Quantas vezes já não caí na rede sorte que antes de ser arrastada fui salva por um peixe mais esperto e que acostumou a sair das redes...quem sabe eu aprenda com ele.
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